Descoberta de nova borboleta da Amazônia revela rara interação com formigas

O estudo foi feito pelo Laboratório de Ecologia e Sistemática de Borboletas da Unicamp, liderado pelo professor André Freitas.

Descoberta de nova borboleta da Amazônia revela rara interação com formigas
Descoberta de nova borboleta da Amazônia revela rara interação com formigas

Cuiabá, Mt (folhapress) - Lázaro Thor - 04/08/2025 07:23:13 | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom

A pesquisadora Luisa Mota, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), não esquece o dia em que ouviu o som dos queixadas na Reserva Particular do Patrimônio Natural do Cristalino, em Alta Floresta, a 790 km de Cuiabá. Dedicada aos estudos ecológicos, ela estava acompanhada em Mato Grosso da também pesquisadora Noemy Seraphim, especialista em borboletas.

O som dos queixadas preocupou Luísa, que morou por um ano na reserva para realizar sua pesquisa de doutorado e sabia que o animal é temido até mesmo pela onça-pintada, por causa de sua agressividade e capacidade de atacar em grupo.

Ela conta ter ouvido o som deles e não ver a colega Noemy, do IFSP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo). "Voltei para dar uma bronca nela, mas, quando olhei, ela havia encontrado os bichos [as borboletas]. Foi muito emocionante encontrar a interação entre as lagartas, as formigas e as cochonilhas."
Elas são duas dos quatro autores de um estudo publicado no último dia 10 na revista Neotropical Entomology, que identificou a interação inédita entre uma nova espécie de borboleta, a Annulata kaminskii, descoberta por Luísa, com cochonilhas (insetos sugadores que se alimentam da seiva das plantas) e formigas que vivem em bambuzais amazônicos.

O estudo foi feito pelo Laboratório de Ecologia e Sistemática de Borboletas da Unicamp, liderado pelo professor André Freitas.

A pausa no meio da trilha permitiu que as pesquisadoras identificassem que as lagartas da A. kaminski se alimentam de um néctar produzido pelas cochonilhas que vivem no bambuzal. Após consumirem o néctar, as lagartas expelem outro néctar, que é consumido pelas formigas.

Em troca, as formigas oferecem proteção às lagartas e às cochonilhas, evitando que predadores cheguem ao local.

"A maioria das lagartas se alimenta de folhas e de outros tecidos vegetais. Essa lagarta, em vez disso, alimenta-se apenas do néctar e da cera, que são produzidos pelas cochonilhas —que são insetinhos bem pequenos, semelhantes aos pulgões", explica Luísa.

Na maioria dos casos, segundo a pesquisadora, as formigas se alimentam do néctar das cochonilhas, "mas neste caso a lagarta acaba se transformando em um intermediário, oferecendo néctar às formigas".

A descoberta da relação entre os diferentes insetos enriqueceu ainda mais a identificação da nova espécie de borboleta, que recebeu o nome do pesquisador brasileiro Lucas Kaminski, da Universidade Federal de Alagoas, especialista na interação entre borboletas e formigas.

"Essa é a primeira vez que observamos um sistema com quatro níveis tróficos envolvendo borboletas, formigas, escamas de bambu e cochonilhas", afirma Noemy Seraphimm. "Encontramos as larvas interagindo de forma muito especial, algo nunca documentado antes. Essa história de vida reforça as particularidades da fauna amazônica e a importância de protegê-la."
A Annulata kaminskii é a segunda espécie de borboleta descoberta na reserva do Cristalino, mantida pela Fundação Ecológica Cristalino. Em 2019, Luísa publicou a descoberta da Cristalinaia vitoria.

Segundo a pesquisadora, só na região do Cristalino existem mais de mil espécies de borboletas. "A título de comparação, isso é mais do que o dobro do que há em toda a Europa. Uma quantidade muito grande dessas borboletas não foi descoberta ou não foi estudada a ponto de ser identificada porque muitas vezes espécies muito próximas são bastante parecidas."

A delicadeza e a sensibilidade da interação entre borboletas, cochonilhas e formigas detectadas na região do rio Cristalino é tamanha que foi malsucedida a tentativa dos pesquisadores de criar em laboratório as lagartas da Annulata kaminskii.

Em laboratório, as lagartas da borboleta recém-descoberta sobreviveram apenas por duas semanas alimentadas com uma solução de água, açúcar mascavo e gema de ovo.

"Nós não conseguimos fazer com que chegassem à fase adulta, mas o trabalho de DNA feito pela pesquisadora Patrícia Avelino Machado confirmou que eram espécies da nova borboleta", afirma Luísa. "É possível criar a maioria das lagartas facilmente contanto que você dê o tipo de folha que ela se alimenta, mas nesse caso não foi possível porque ela tem um modo de vida muito especializado e faltou o néctar das cochonilhas."

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