Bolsonaro chega a véspera de julgamento fragilizado e recebe visitas de ex-ministra e Lira
Marianna Holanda, Brasília, Df (folhapress) - 02/09/2025 06:37:08 | Foto: Estátua da Justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), pichada.= • Joedson Alves/Agencia Brasil
CÉZAR FEITOZA, BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) começa nesta terça-feira (2) o julgamento sobre a trama golpista de 2022 que pode condenar, pela primeira vez na história do país, um ex-presidente e generais por uma tentativa frustrada de golpe de Estado.
Jair Bolsonaro (PL) é acusado de ser o líder de uma organização criminosa instalada no Palácio do Planalto que lançou ataques contra as urnas eletrônicas, incitou as Forças Armadas à insurreição e planejou um golpe contra a eleição de Lula (PT) à Presidência da República.
O julgamento que se inicia nesta semana deve sacramentar um desfecho já considerado certo há meses por ministros do Supremo, advogados dos réus e políticos -a condenação do ex-presidente por crimes contra a democracia.
Além de Bolsonaro, o banco dos réus conta com sete integrantes da cúpula de seu governo (2019-2022): Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin, a Agência Brasileira de Inteligência), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Mauro Cid (ex-ajudante de ordens), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil).
Todos são acusados dos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, associação criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.
No caso de Ramagem, a Câmara suspendeu parte do processo. Ele só deve responder pelos crimes do 8 de Janeiro após o fim de seu mandato parlamentar.
O julgamento vai se dividir em quatro etapas. Na primeira, o ministro Alexandre de Moraes lerá o relatório do processo. É um relato sobre como se deu cada etapa da instrução penal até o julgamento. Logo depois, começam as sustentações orais. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, terá duas horas para falar pela acusação, e cada defesa, uma hora para pedir a absolvição dos réus.
A expectativa é que as duas primeiras etapas tomem os dois primeiros dias de julgamento (2 e 3 de setembro). Na semana que vem, as sessões devem ser retomadas com o voto de Moraes e dos demais ministros da Primeira Turma: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, nesta ordem.
Depois do voto de cada ministro será discutida a dosimetria das penas. Este será o momento em que os condenados devem descobrir o tempo de prisão a ser cumprido. As penas podem chegar a até 43 anos de reclusão.
O julgamento só deve acabar em 12 de setembro, após cerca de 36 horas em cinco sessões.
A denúncia da PGR diz que a organização criminosa foi criada em 29 de julho de 2021. Naquele dia, Bolsonaro reuniu integrantes do governo para fazer uma live nas redes sociais com seu principal ataque contra as urnas eletrônicas.
Depois, diz Gonet, o ex-presidente prosseguiu com discursos públicos para "inculcar sentimento de indignação e revolta nos seus apoiadores com o propósito de tornar aceitável e até esperável o recurso à força contra um resultado eleitoral em que o seu adversário político mais consistente triunfasse".
A denúncia destaca que Bolsonaro exortou à desobediência de decisões judiciais, espalhou informações falsas sobre as eleições, atacou ministros do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e incitou as Forças Armadas contra seus adversários.
"O que parecia, à época, um lance eleitoreiro, em si mesmo ilícito e causador de sanções eleitorais, mostrou-se, a partir da trama desvendada no inquérito policial, um passo a mais de execução do plano de solapar o resultado previsto e temido do sufrágio a acontecer logo adiante", diz Gonet na denúncia.
Bolsonaro acabou derrotado nas eleições de 2022 pelo seu principal oponente, Lula (PT).
A acusação sustenta que o ex-presidente tentou reverter o resultado eleitoral com uma busca por indícios de fraude nas eleições. O relatório de fiscalização das Forças Armadas não encontrou suspeitas.
O Partido Liberal tentou anular os votos depositados nas urnas eletrônicas de versão anterior a 2020, sob a falsa justificativa de que havia mau funcionamento. A sigla acabou multada por inépcia da denúncia e falta de indícios.
Sem sucesso na Justiça Eleitoral, Bolsonaro passou a se reunir com chefes das Forças Armadas para discutir alternativas para reverter a derrota. Em depoimento ao STF, o ex-presidente confirmou que se reuniu com os comandantes militares para estudar "possibilidades outras dentro da Constituição, ou seja, jamais saindo das quatro linhas".
"Em poucas reuniões, abandonamos qualquer possibilidade de uma ação constitucional", disse Bolsonaro. "Abandonamos e enfrentamos o ocaso do nosso governo".
Gonet diz que o golpe de Estado só não foi possível graças às recusas dos comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Júnior.
A última tentativa do grupo de voltar à Presidência, segundo a PGR, foi no ataque às sedes dos Poderes em 8 de janeiro. Ela diz que o episódio foi "fomentado e facilitado pela organização denunciada".
A defesa do ex-presidente nega a trama golpista. Diz que a Procuradoria inventou uma narrativa que ganhou a imprensa e resultou em um "processo tão histórico quanto inusitado".
Os advogados de Bolsonaro dizem que a acusação não conseguiu reunir provas sobre as minutas de decreto golpistas nem estabelecer vínculos concretos entre o ex-presidente e os ataques de 8 de janeiro.
"Não há como condenar Jair Bolsonaro com base na prova produzida nos autos, que demonstrou fartamente que ele determinou a transição, evitou o caos com os caminhoneiros [que bloquearam estradas após sua derrota eleitoral] e atestou aos seus eleitores que o mundo não acabaria em 31 de dezembro, que o povo perceberia que o novo governo não faria bem ao país", diz a defesa em suas alegações finais.
Bolsonaro chega a véspera de julgamento fragilizado e recebe visitas de ex-ministra e Lira
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chega à véspera do julgamento da trama golpista no STF (Supremo Tribunal Federal) fragilizado. Nas 24 horas que antecederam o início do capítulo final do processo na corte, ele passou em oração com a senadora Damares Alves (Republicanos-PB) e conversou com o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
Segundo aliados, ele não está bem psicologicamente, nem de saúde.
Desde que está preso, há quase um mês, as visitas só eram autorizadas em uma por dia pelo ministro Alexandre de Moraes. A exceção foi nesta segunda-feira (1º), quando liberou as duas, numa ação incomum -até mesmo porque o pedido de Lira chegou na própria segunda.
Segundo aliados, foi o próprio ex-presidente da Câmara que solicitou a visita para prestar solidariedade. O encontro durou cerca de uma hora.
Enquanto esteve à frente da Câmara e Bolsonaro no Planalto, os dois eram aliados. Já ao governo Lula (PT), Lira imputou derrotas importantes e, no seu estado, será oposição aos petistas em 2026, quando deve concorrer ao Senado -a Casa é hoje considerada prioridade ao ex-presidente.
Já com Damares, Bolsonaro ficou por cerca de duas horas. Ela contou à Folha de S.Paulo que o ex-presidente está sereno, mas soluçando muito. Enquanto esteve lá, conversou com Bolsonaro e sua mulher, Michelle, fez uma oração com os dois e comeu bolo de lanche.
"Ele está soluçando muito, acho que não é viável [a ida dele ao julgamento]. Mas vamos ver, ele está fazendo o que os advogados estão mandando", disse à Folha.
Uma das amigas mais próximas da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, a senadora participa de uma corrente de orações pela vida e saúde de Bolsonaro. Ao Painel, no domingo, Damares disse que iria visitá-lo apenas para orar e dar um abraço.
Por estar mal de saúde e abalado psicologicamente, foi aconselhado por sua defesa a não acompanhar presencialmente o início do julgamento nesta terça.
Ele está em prisão domiciliar desde 4 de agosto e só deixou o local no último dia 16, para realizar exames médicos. O boletim divulgado na ocasião informou que ele segue com tratamento para hipertensão arterial e refluxo, além de tomar medidas preventivas contra broncoaspiração.
Bolsonaro conversou nas últimas semanas com aliados para definir se participaria presencialmente do julgamento ou não.
Ele disse a pessoas próximas que gostaria de estar na corte em algumas das sessões, quando ficaria frente a frente com os ministros que ele considera seus algozes, mas à época aliados já citavam a possibilidade de seu quadro de saúde ser um empecilho para esse plano.
Nessas últimas semanas, seus aliados se revezaram em visitas autorizadas pela corte. Nem todos puderam ir nas datas apontadas pelo STF, e os que foram ficaram algumas poucas horas.
Não foram poucas as trocas de acusação no seu grupo político de falta de fidelidade ou de abandono, como seus filhos expuseram nas últimas semanas.
Houve um racha no bolsonarismo e no centro da disputa está o espólio eleitoral do ex-presidente.
Até quando pôde falar publicamente, ele disse que manteria sua candidatura ao Palácio do Planalto, a despeito da inelegibilidade.
O mundo político intensificou a pressão para uma nova candidatura de direita, mais notadamente a do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que, por sua vez, reforçou demonstração de apoio a Bolsonaro mais recentemente. Ele também nega a possibilidade de candidatura, o que hoje seria visto como indelicado e insensível, porque o ex-presidente precisa de apoio.
No geral, os relatos dos visitantes a Bolsonaro são de pessimismo. Ele se sente injustiçado, vítima de perseguição do Judiciário -é um dos réus acusados de liderar trama golpista de 2022.
Bolsonaro não reconheceu a vitória de Lula (PT) e viajou para os Estados Unidos. Ele admite conversas sobre o que chama de "alternativas", que seriam forma de não passar a presidência, porque ele não acreditava no resultado das urnas.
Em prisão domiciliar desde o início do mês, quando investigadores e o tribunal identificaram o que seria um risco de fuga, Bolsonaro dá como certa a sua condenação.
Embora prevejam uma condenação, aliados esperam que a Primeira Turma do Supremo não aplique a pena máxima pelos crimes que devem ser imputados a ele. A expectativa é de que a defesa consiga atuar pela contenção de danos e tenha sucesso na dosimetria, momento de definição do tempo de detenção.
Uma reversão mais acentuada do cenário, na avaliação de bolsonaristas, só seria possível com uma mudança do ambiente político, que levasse à aprovação de uma anistia aos condenados nos ataques golpistas do 8 de Janeiro, incluindo o ex-presidente. O Congresso, no entanto, permanece dividido sobre o tema.
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