Força-tarefa pede afastamento de juiz do caso da barragem de Mariana

O pedido veio após denúncias de ameaças e intimidações aos atingidos pelo rompimento da barragem durante uma reunião em janeiro deste ano

Força-tarefa pede afastamento de juiz do caso da barragem de Mariana
Força-tarefa pede afastamento de juiz do caso da barragem de Mariana

Natália Oliveira - O Tempo - 01/04/2021 08:53:22 | Foto: Corpo de Bombeiros/MG - Divulgacão

Um força-tarefa formada pelo Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e as Defensorias Públicas da União (DPU) de Minas e do Espiríto Santo pediram, nesta terça-feira (30), o afastamento provisório do juiz da 12ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte, Mário de Paula Franco Júnior, responsável por julgar os processos referentes ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, região Central de Minas, em novembro de 2015. O pedido veio após denúncias de ameaças e intimidações aos atingidos pelo rompimento da barragem durante uma reunião em janeiro deste ano.

"Diante dessas peculiaridades, os requerentes pedem seja determinado, em caráter provisório, o afastamento do juiz responsável pelo caso, com a designação provisória de outro juiz federal para dar andamento a todas as providências atualmente pendentes, de modo a não fazer recair sobre a população mineira e capixaba o ônus do tempo necessário para o processamento do presente pleito", foi escrito na ação civil pública encaminhada à Justiça.


O caso veio à tona após uma reportagem da Agência Pública em que a advogada da Fundação Renova, Viviane Aguiar, se colocou como porta-voz do juiz. Em áudio é possível perceber que ela ameaça e intimida os representantes da comissão de atingidos de Naque, no Rio Doce de Minas Gerais. Ela diz que “se a coisa continuar como está” o juiz não vai determinar os pagamentos e também ressalta: “Dr. Mário mesmo pediu que eu fizesse essa conversa com vocês”.

Em nome da transparência, ouça a íntegra do áudio da reunião obtido pela reportagem. CLIQUE AQUI para ouvir.

“Não pensem vocês, não pensem, ninguém aqui pense, que foi por causa de manifestação que a coisa está andando, porque vai ser o contrário, por causa de manifestação a coisa vai parar. Não sou eu que estou falando isso, é o juiz dono do processo que está falando. Se tiver manifestação, a manifestação vai parar. Façam de conta que isso aqui é um barco em alto-mar com todo mundo dentro. Dentro do barco está o juiz, a Fundação Renova, todos os advogados e todos os atingidos, lá em alto-mar, e aí, de repente, um resolve fazer um motim para afundar esse barco. Nós só temos duas opções, vocês concordam? Ou nós jogamos essa pessoa para fora do barco ou essa pessoa sai por ela”, afirmou a advogada em tom de ameaça.

De acordo com o documento encaminhado à Justiça, o pedido de afastamento se deve à imparcialidade judicial no processo. "É claro que a advogada Viviane poderia estar fazendo uma afirmação não autorizada, mas não chegou ao conhecimento das partes nenhuma manifestação do MM. Juiz que tenha desmentido a declaração da causídica", diz o documento.

A petição destaca ainda que é função do juiz ser imparcial durante os processos e que nesse caso há indícios de imparcialidade. "É inquestionável a gravidade da situação: a advogada da Fundação Renova, entidade criada para executar - em nome das empresas rés no processo, que tem maioria no Conselho Curador da Fundação - as medidas de reparação em benefício das pessoas atingidas, afirma falar em nome do juiz, ameaçando os participantes da reunião de que 'se a coisa continuar como está' o juiz não vai determinar os pagamentos. Ela diz, explicitamente: 'Dr. Mário mesmo pediu que eu fizesse essa conversa com vocês' Essa fala da advogada dos réus é presenciada e recebe a aquiescência das advogadas das Comissões, ou seja, das advogadas que deveriam militar em nome dos atingidos, Richardeny Luiza Lemke Ott e Bruna Raggi", destaca o texto, que pede a Justiça o afastamento do juiz de todos os desdobramentos relacionados ao rompimento da barragem e reparação dos atingidos.

O texto também pede que o juiz se reconheça como suspeito do caso e mostra alguns relatos dos atingidos. “O depoente informou ao Ministério Público Federal que os representantes das pessoas atingidas foram convocados para uma reunião com o MM. Juiz Federal, na qual este afirmou que, a menos que as pessoas aderissem ao “seu” sistema indenizatório, os casos de interesse dos atingidos - que aguardavam julgamento há vários meses - não seriam decididos”.

Na época da reunião, em 21 de janeiro de 2021, os atingidos tinham feito um protesto fechando a linha do trem na cidade. Eles reclamavam de problemas no Sistema Indenizatório Simplificado (Novel), criado pelo juiz Mário de Paula, em julho do ano passado, com o objetivo de facilitar o acesso aos trâmites para os atingidos. No entanto, o grupo afirma que a Renova estaria dificultando o acesso ao sistema. Além disso, eles reivindicavam também os pagamentos das indenizações já homologadas na Justiça.

Quando o caso veio a tona, em 27 de fevereiro deste ano, a Fundação Renova afirmou à Agência Pública que “no processo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, sempre buscou dar respostas definitivas para todos os atingidos no menor prazo possível. Desta forma, desde agosto de 2020, a partir de decisão da 12ª Vara da Justiça Federal, tem avançado no pagamento de indenizações para os casos de difícil comprovação de danos em que havia grande dificuldade de tratamento pelo Programa de Indenização Mediada (PIM)”. A fundação é mantida pela Samarco e suas acionistas, Vale e BHP Billiton, para reparar os danos da tragédia.

Para os atingidos o pedido de afastamento do juiz é muito benéfico. "Esse juiz é parcial e faz tempo que o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragem) está falando isso e denunciand. Pelo menos agora as instituições tiveram coragem de denunciar. Tiveram várias questões que fundamentam o processo, que mostram claramente como estava sendo parcial e a gente espera que ele caia o quanto antes para ter justiça na bacia do Rio Doce, porque é uma vergonha passado cinco anos as coisas estão tudo por fazer ainda”, considerou Joceli Andrioli, membro da coordenação Nacional do MAB.

O MPMG informou por nota que "espera que o Poder Judiciário possa buscar alternativas para a adequada prestação jurisdicional à essa que foi a maior tragédia ambiental do país. Parece à instituição que a forma como a questão vem sendo tratada não atende à solução em termos de reparação e presteza".

A reportagem procurou o Ministério Público Federal que disse que não vai se pronunciar sobre o pedido.

Atingidos encaminham relatório para orgãos reclamando de descaso no processo de reparação das famílias afetadas

Nesta quarta-feira (31), os atingidos pela barragem encaminharam a Prefeitura de Mariana, Câmara dos Vereadores, Defensoria Pública, Ministério Público e outras instituições um relatório em que detalham supostos descasos da Fundação Renova no processo de reparação às famílias afetadas.

"O prazo determinado pela Justiça para a entrega de moradias às famílias atingidas pelo crime das mineradoras Samarco, Vale e BHP, em Mariana (MG) foi descumprido pela terceira vez no dia 27 de fevereiro. Com isso, as mais de 500 famílias dos subdistritos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Camargos, Ponte do Gama, Paracatu de Cima, Borba, Pedras e Campinas seguem sem moradia desde 2015. Ainda é possível verificar que as obras de reassentamento coletivo de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo quase não progrediram, bem como os atendimentos dos casos de reassentamento familiar e reconstrução estão estagnados", informam os atingidos.

A Fundação Renova foi criada em 2016 para gerir as reparações dos danos causdados pelo rompimento da barragem, porém mais de 5 anos após a tragédia, as obras de reassentamento das famílias ainda se arrastam.

À época da denúncia publicada pela Agência Pública, a Fundação Renova alegou que não iria se pronunciar sobre o áudio por não tê-lo acessado. Questionada à manhã de quarta-feira (31) se já acessou a gravação na íntegra e se há algum posicionamento tanto sobre o áudio quanto sobre a reunião, a fundação não respondeu a indagação da reportagem e limitou-se a encaminhar uma nota com o balanço atual dos investimentos feitos para a reparação das vítimas atingidas pelo desastre em Mariana e para as construções dos novos distritos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira – a nota na íntegra será publicada abaixo.

(Com informações da Agência Pública)

Nota da Fundação Renova na íntegra:

1) A Fundação Renova é responsável pela mobilização para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, cujo escopo engloba 42 programas que se desdobram nos projetos que estão sendo implementados nos 670 quilômetros de área impactada ao longo do rio Doce e afluentes e em ações de longo prazo. Cerca de R$ 12,2 bilhões foram desembolsados pela Fundação Renova até o momento, tendo sido pagos R$ 3,46 bilhões em indenizações e auxílios financeiros para 320 mil pessoas até fevereiro deste ano.

As indenizações ganharam novo impulso com o Sistema Indenizatório Simplificado, implementado pela Fundação Renova a partir de decisão da 12ª Vara Federal em ações apresentadas por Comissões de Atingidos dos municípios impactados. Ele tem possibilitado o pagamento de indenização a categorias com dificuldade de comprovação de danos. O primeiro pagamento por meio do sistema foi realizado em setembro de 2020. Em março de 2021, o total de pessoas indenizadas chegou a 10 mil, e o montante é de cerca de R$ 900 milhões.

Os valores das indenizações, definidos pela Justiça, com quitação única e definitiva, variam de R$ 17 mil a R$ 567 mil de acordo com a categoria do dano. Até o momento, 22 localidades aderiram ao Sistema.

2) A Fundação Renova permanece dedicada às obras dos reassentamentos, com a previsão de um investimento de R$ 1 bilhão para 2021, um aumento de 14% em relação ao ano anterior. O valor refere-se a todas as modalidades de reassentamento, englobando as construções dos novos distritos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira, e, também, a modalidade de reassentamento Familiar e a reconstrução de residências em comunidades rurais. O avanço da infraestrutura, priorizado dentro do plano estratégico de prevenção contra a Covid-19, permitirá a aceleração da construção das residências das famílias atingidas. Assim, os reassentamentos coletivos ganham desenhos de cidades planejadas.

A questão do prazo de entrega dos reassentamentos está sendo discutida em um Ação Civil Pública (ACP) em curso na Comarca de Mariana, tendo sido submetido recurso para análise em segunda instância (TJMG), o qual ainda aguarda apreciação e julgamento. Nesse contexto, foram expostos os protocolos sanitários aplicáveis em razão da Covid-19, que obrigaram a Fundação a desmobilizar parte do efetivo e a trabalhar com equipes reduzidas, o que provocou a necessidade de reprogramação das atividades.

Além disso, reiterou, perante os juízes, que há evidências técnicas de que a construção dos reassentamentos é resultado de um longo processo que antecede as obras de edificação, e envolve planejamento, aprovação de projetos de lei por parte do poder público para transformar subdistritos em distritos, conceitos urbanísticos, aprovação de projetos, adequação a desafios como topografia alinhada às relações de vizinhança e às leis urbanísticas do município, entrega da infraestrutura, disposição dos bens públicos e aprovação do projeto das residências pelas famílias. A Fundação Renova informa que o orçamento de 2021 para as ações de reparação e compensação do rompimento da barragem de Fundão é de R$ R$ 5,86 bilhões, crescimento de 25% em relação a 2020. Com esse investimento, o total gasto vai atingir cerca de R$ 17 bilhões ao final deste ano.

Status dos reassentamentos

Bento Rodrigues

Até dezembro de 2020, 209 famílias optaram por viver no reassentamento coletivo de Bento Rodrigues. Até o final deste ano, serão concluídas cerca de 64 casas. O reassentamento ganha os contornos do distrito que foi desenhado juntamente com os moradores, sendo que 95% das obras de infraestrutura estão concluídas, considerando via, drenagem, energia elétrica, redes de água e esgoto das ruas. O posto de saúde e de serviços também está concluído e a escola está em fase final de acabamentos. Outra obra importante é a da Estação de Tratamento de Esgoto, que está com 91% de avanço. Mais de 140 projetos foram protocolados na prefeitura.

Avanços até fevereiro de 2021:

95% da infraestrutura do terreno, considerando via, drenagem, energia elétrica, redes de água e esgoto das rua

Obra do posto de saúde concluída - com 32 salas, consultório odontológico e atendimento psicossocial.

Obra do Posto de Serviços concluída – com espaço para Prefeitura, Correios, Serviços de Água e Esgoto (SAE), Guarda Municipal, Polícia Militar e Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).

Obra da escola concluída – capacidade para 300 alunos, com 12 salas de aula, laboratórios, biblioteca e ginásio poliesportivo.

Obra da Estação de Tratamento de Esgoto concluída

7 casas construídas

34 casas em construção

Paracatu de Baixo

As obras de Paracatu foram iniciadas em dezembro de 2018. Até dezembro de 2020, 95 famílias optaram por viver no reassentamento coletivo de Paracatu de Baixo. Sete casas tiveram obras iniciadas, com etapa de montagem de fundação concluída. Mais de 60 projetos conceituais de residências foram concluídos. A infraestrutura está em fase avançada, com execução de terraplenagem das vias de acesso e das áreas dos lotes, contenções, obras de bueiros de drenagem pluvial, adutora de água tratada e rede de esgoto. As obras da escola estão em andamento.

Avanços até fevereiro de 2021:

Mais de 60 projetos conceituais de residências foram concluídos.

6 casas e Escola Municipal de Ensino Infantil estão em construção

A infraestrutura está em fase avançada, com execução de terraplenagem das vias de acesso e das áreas dos lotes, contenções, obras de bueiros de drenagem pluvial, adutora de água tratada e rede de esgoto.

As obras da escola estão em andamento.

Gesteira

A Fundação Renova, atendendo a solicitações de famílias de Gesteira, apresentou proposta e fechou acordos com 23 núcleos familiares para aquisição de imóvel por meio do modelo de reparação do direito à moradia conhecido como reassentamento familiar. Dessas famílias, quatro já adquiriram seus imóveis.

A homologação foi realizada no âmbito da ação civil pública que tramita na 12ª Vara Federal. Após a compra do imóvel e transferência de titularidade para o responsável pelo núcleo familiar, a Fundação Renova fica responsável pela mudança de moradia, dá suporte técnico para a reestruturação das atividades econômicas e produtivas da família e faz o acompanhamento social e monitoramento socioeconômico.

Atualmente, 14 famílias optaram por viver no reassentamento coletivo do distrito de Gesteira, em Barra Longa (MG). Desde o início de 2020, o reassentamento está sendo tratado na Ação Civil Pública que tramita na 12ª Vara Federal Cível/Agrária de Minas Gerais. O projeto conceitual foi elaborado pela Fundação Renova, a partir do anteprojeto formulado pela comunidade, assessoria técnica e Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (GEPSA) da Universidade Federal de Ouro Preto, e protocolado nos autos da Ação Civil Pública, em maio de 2020. Atualmente, a Fundação Renova aguarda a decisão do juízo em relação ao projeto conceitual e à proposta de abastecimento de água apresentada, conforme as alternativas discutidas e definidas pela comunidade em assembleia virtual realizada em junho de 2020.

Reassentamento Familiar

Até dezembro de 2020, 147 famílias optaram pela modalidade reassentamento familiar, que é a opção para os atingidos que perderam suas casas, mas querem viver fora dos reassentamentos coletivos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo ou Gesteira. O número de famílias é estimado e sofre alterações devido à possibilidade de migrarem entre as modalidades – de reassentamento coletivo para reassentamento familiar, por exemplo – ou optarem por outra forma de reparação. Ao todo, 60 imóveis foram adquiridos para famílias que optaram por esta modalidade de reparação do direito à moradia, sendo 19 imóveis para reformar, 37 imóveis para construir e 4 lotes vagos.

Comunidades rurais

Até dezembro de 2020, 14 famílias fazem parte da modalidade de reconstrução de residências da zona rural de Mariana e de Barra Longa. O trabalho contempla a restituição do direito à moradia adequada, retomada das atividades produtivas e acesso a infraestrutura e aos bens coletivos das comunidades. Oito casas da modalidade de reconstrução foram entregues.

Atualizada às 17h15.

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