Historiadora redescobre o passado de Curitiba em papéis da bala Zequinha

"As Balas Zequinha e a Curitiba de Outrora"

Historiadora redescobre o passado de Curitiba em papéis da bala Zequinha
Historiadora redescobre o passado de Curitiba em papéis da bala Zequinha

Helena Carnieri, Curitiba, Pr (folhapress) - 18/08/2025 17:18:03 | Foto: Divulgação

A história pode ser contada por meio de camadas geológicas, artefatos em cerâmica encontrados debaixo da terra, cartas, letras de música. Agora, a modernização de Curitiba na primeira metade do século 20 é investigada por meio de papéis de bala.

O livro "As Balas Zequinha e a Curitiba de Outrora", da historiadora Camila Jansen de Mello Santana, parte do embrulho de um doce muito popular na época, ilustrado com um palhaço que aparece em 200 situações diferentes -exercendo profissões, encarnando outras etnias, vivenciando esportes e lazer, entre outros.

A população logo começou a colecionar as chamadas "figurinhas", apesar de não serem autocolantes, e elas passaram a encher o tempo livre de crianças por várias gerações.

São elas que ajudam a relatar, em 300 páginas recheadas de ilustrações e outras referências gráficas, as transformações da capital paranaense, que passara em 1853 de província a capital com preocupações de saneamento, chegada de imigrantes e suas diferentes culturas.

O livro é resultado da pesquisa de doutorado da curitibana, que é professora da Universidade Estadual de Ponta Grossa. A obra foi selecionada como melhor tese de história cultural da Associação Nacional dos Professores Universitários de História, e concorre ao Prêmio Jabuti Acadêmico.

Num contexto de fortalecimento da imprensa e da tipografia, a fábrica A Brandina adaptou um palhaço paulistano, o Piolim, para envolver um doce que, de acordo com testemunhas, não era lá muito bom, e depois regionalizou a figura.

Apesar de as balas terem circulado por várias décadas, e depois a ilustração ter virado figurinha colecionável em campanha fiscal do governo do estado, o livro de Camila faz um recorte específico, entre 1929 e 1948. Tempos de muita mudança.

"Qualquer sujeito é capaz de ler uma imagem. A arte permite acessar um discurso que chegava a um público muito grande, era para vender bala, mas a figurinha acabou se tornando um produto mais importante do que o original -muita gente pegava a bala e jogava fora, mas colecionava as figurinhas", conta a professora.

Entre as fontes de pesquisa estão as revistas ilustradas que borbulhavam em Curitiba naquelas duas décadas, com destaque para a coluna "Gosto e Não Gosto", da revista A Cidade, em que corria solto o julgamento de modos e costumes mutantes, e a sugestiva "A Bomba". O Paraná foi pioneiro na arte do humor satírico, e esse material ajudou a compreender o contexto estudado.

Em sua pesquisa, Camila se surpreendeu com o impacto trazido por algumas inovações -é o caso do automóvel, visto desde cedo como arma mortífera, dados os acidentes corriqueiros nas então pacatas ruas. Homem de seu tempo, Zequinha surge como motorneiro de bonde e chauffeur, mas também conduzindo carroça, e cada representação gráfica é analisada no livro.

Seus momentos de lazer contam outras histórias riquíssimas -ficamos sabendo onde a população passava os domingos, no Passeio Público, então reduto de pessoas elegantes e local para apresentação de qualquer novidade, como patinação e voo de balão.

"Urbanizar, na época, significava controlar a natureza. Foi uma época em que os rios foram canalizados para evitar enchentes, por exemplo. Curitiba tinha muito brejo, e por isso aparecem sapos nas figurinhas", conta Camila. Nas charges humorísticas, que foram pesquisadas e inseridas no livro como comparação a respeito dos temas importantes no período, não faltam críticas às calçadas e ruas enlameadas da cidade.

O rico trabalho de pesquisa permite saber também que a figura do Zé Povo era frequente nos jornais de início de século no Brasil, representando o brasileiro já não mais como um indígena, mas como um trabalhador que luta para sobreviver.

A historiadora identificou inúmeros diálogos com outros cartunistas do início do século 20, como o sueco Oscar Jacobsson, cujo personagem Adamson era frequente nas tirinhas dos jornais brasileiros -na figurinha do Zequinha de número 52, o palhaço surge com cartola que se transforma em casa de passarinho, muito semelhante a uma ilustração do desenhista europeu.

E assim a autora vai, página a página, ladeando figurinhas e referências de época que permitem compreender a origem e as críticas por trás do papel de bala.

Chama a atenção a seção de violência, pois o personagem é tanto gangster, gatuno, condenado e enforcado, quanto se suicida e é oprimido pelo poder público. Lembrando que eram doces para crianças, num tempo de filtros muito diferentes dos atuais.

A autora lembra ainda diversas ausências, como representações de indígenas e negros. "Entre os quadros em que Jean-Baptiste Debret retratou o Brasil, temos a primeira imagem conhecida de Curitiba datada de 1827, e nela há um único personagem, um negro. Já nas figurinhas do Zequinha, o negro só aparece no contexto de selvagem. Esse é um documento histórico do apagamento da negritude que foi realizado aqui", afirma.

Para os críticos que não consideram uma pesquisa sobre figurinhas algo sério, ela responde: "A arte me permite adentrar enquanto historiadora um universo de sensibilidade, entender um pouco do que é representado daquela sociedade através de imagens que tinham muito significado."

AS BALAS ZEQUINHA E A CURITIBA DE OUTRORA
Preço R$ 150 (296 págs.)
Autoria Camila Jansen de Mello Santana
Editora Máquina de Escrever

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