Projeto do PNPI estuda cantares e falares quilombolas em Minas Gerais
Iphan - 12/10/2025 10:09:44 | Foto: Iphan
Comunidades quilombolas do Alto Jequitinhonha, em Minas Gerais, participam desde o início de 2025 do projeto Vissungos - inventário de falares afro-brasileiros que pesquisa cantares e falares de origem africana, transmitidos oralmente por gerações nas regiões de Serro e Diamantina. A iniciativa foi contemplada pelo Edital do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) em 2023 e prepara a documentação para inclusão no Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), com apoio técnico e financeiro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Criado pelo Decreto nº 7.387/2010, o INDL tem como objetivo identificar, documentar e valorizar, como patrimônio cultural, as diversas línguas faladas no Brasil, sejam elas de povos indígenas, de comunidades de imigrantes ou, como neste caso, de descendentes de falantes de línguas do tronco Bantu, como o kimbundu.
O projeto é desenvolvido pelo Mukuá – Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Vissungos, em parceria com o Coletivo Flor e Ser no Cerrado e a Rupestre Imagens.
Os cantos vissungos
O principal objeto da pesquisa são os vissungos, cantos de origem africana que, na época da escravidão, eram utilizados em rituais fúnebres e no trabalho no garimpo, transmitindo saberes culturais e memórias da diáspora africana. A tradição se mantém viva entre descendentes quilombolas da região.
Enilson Viríssimo, músico e mestre de vissungo da comunidade do Ausente, explica que “os antigos ainda sabiam conversar em língua africana, considerada um dialeto, e muitas palavras são usadas nos cantos de Catopês da Festa do Rosário”.
Esses cantos foram documentados a partir da década de 1940 pelo pesquisador Ayres da Mata Machado Filho, no livro O Negro e o Garimpo em Minas Gerais. Parte desse repertório foi gravada em 1982 por Clementina de Jesus, Tia Doca e Geraldo Filme, e segue sendo reinterpretada por artistas contemporâneos. O antropólogo Oswaldo Giovannini Jr., integrante do Mukuá, publicou em 2024 o livro Sortilégios do Registro, aprofundando a análise desses registros.
O linguista Niyi Tokunbo Mon’a-Nzambi, colaborador do projeto, identifica nos cantos palavras de origem kimbundu e umbundu. Já o pesquisador Rudá K. Andrade ressalta que “o vissungo representa uma marca profunda da presença da diáspora centro-africana, articulando memórias e tradições ancestrais que atravessam modos de vida”.
De acordo com a antropóloga Joana Corrêa, coordenadora técnica do projeto, a atuação deve ser baseada em processos de transmissão de conhecimentos entre gerações e na devolutiva de documentos já produzidos sobre o vissungo. “O kimbundu era a língua do Quilombo dos Palmares! Serro e Diamantina, como tantas cidades mineiras, têm sua história colonial marcada pela presença africana. É preciso que as comunidades sejam envolvidas e preparadas para serem agentes da salvaguarda, pois esse conhecimento pertence a seus ancestrais”, afirma.
Próximas ações
Até o fim de 2025, estão previstas novas oficinas e rodas de prosa em outubro, novembro e dezembro, com a participação do ator, músico e professor da Universidade de São Paulo (USP), Luciano Mendes de Jesus, integrante do Mukuá e criador do projeto artístico-pedagógico Garimpar em Minas Negras Cantos de Diamante. Além da produção de uma cartilha coletiva com moradores do Ausente e do Baú, as articulações do laboratório também resultam em outras iniciativas: um documentário de média-metragem a ser lançado em dezembro, um longa-metragem em fase de captação dirigido por Cida Reis e a gravação do disco Vozes Vissungueiras, com direção musical de Salloma Salomão e participação da atriz e cantora Rita Teles.
Em agosto, o projeto promoveu oficina no Centro Cultural e Comunitário do Ausente e roda de prosa na comunidade de Santa Cruz, com a participação das Capitãs de Massambike, Pedrina de Lourdes Santos e Ester Antonieta dos Santos, reconhecidas como guardiãs de línguas de origem Bantu. “Toda terra que tem preto, pra mim é um solo sagrado. Assegurar espaços de transmissão de saberes ao povo negro é algo que o Estado brasileiro precisa se comprometer”, afirmou a Capitã Pedrina, doutora em Comunicação Social por Notório Saber pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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