Mercado livre de energia desafia Cade no controle de crimes contra concorrência

Setor de energia esbarra em marketing para levar mercado livre a empresas menores

Mercado livre de energia desafia Cade no controle de crimes contra concorrência
Mercado livre de energia desafia Cade no controle de crimes contra concorrência

Brasília, Df (folhapress) - lucas Marchesini - 19/05/2024 07:00:28 | Foto: Gov.br

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Crimes contra a concorrência no mercado livre de energia serão um desafio para o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) a partir da abertura do setor para empresas de pequeno e médio porte.

A autoridade antitruste não tem precedentes para balizar a sua atuação no mercado.

A falta de uma jurisprudência consolidada dificulta a investigação de casos como o revelado pela Folha no qual comercializadoras de energia ligadas a concessionárias de distribuição abusariam de sua posição dominante nos estados onde têm concessão.

Um estudo da empresa do setor GreenAnt sugere que as distribuidoras de energia se beneficiam do seu conhecimento dos mercados onde têm concessões para prejudicar a concorrência.

Porém o Cade não age de forma proativa. Ele precisa receber denúncias para determinar como o mercado deve ser analisado. Não há, até o momento, casos públicos sendo investigados na venda de energia.

Para a autoridade antitruste abrir uma investigação a partir de uma denúncia, três elementos são necessários, aponta o consultor legislativo do Senado Rutelly Marques.

O primeiro é demonstrar que as companhias suspeitas têm a capacidade de praticar a conduta. Segundo, que têm incentivos para isso. O terceiro é demonstrar que a atuação das empresas prejudica a concorrência.

"Quem reclama tem que provar que a distribuidora vai oferecer produto que é mais caro do que o que seria oferecido se não estivesse fazendo isso. O problema não é prejudicar concorrentes, é prejudicar a concorrência", resumiu.

Cleveland Prates, ex-conselheiro do Cade e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), disse que, nesses casos, a autoridade antitruste analisa se há o risco de fechamento do mercado.

"Caso seja comprovado um problema, o Cade pode fazer acordo com a empresa para não discriminar concorrentes, limitar contratos de exclusividade e prazos, além de forçar o compartilhamento de dados, minimizando a assimetria de informação ", afirmou.

A lei que criou o mercado livre de energia previu problemas do tipo e exige que a comercializadora de energia tenha um CNPJ diferente do da distribuidora. A ideia é separar a estrutura das duas companhias.

Já a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) proíbe que as duas empresas compartilhem informações dos clientes mesmo fazendo parte do mesmo grupo econômico.

Newsletter Energia limpa Uma newsletter com o que você precisa saber sobre transição energética * O risco de abuso de poder no mercado livre de energia já foi identificado e tratado em outros países onde ele avançou. Em Portugal, a empresa que tem distribuição de energia só pode entrar na comercialização se criar outra marca.

No Texas, no Estados Unidos, foram impostas tantas condicionantes para quem atua na distribuição entrar na comercialização, com monitoramento e penalidades tão rigorosos, que as empresas com distribuição simplesmente optaram por não participar do outro negócio.

"O acesso aos dados dos clientes é uma vantagem, isso é inegável. A distribuidora que conhece a carga do cliente pode oferecer um produto com vantagem em relação à comercializadora que não tem essa informação", afirma Prates.

O ex-conselheiro adverte que o fato de a comercializadora atuar com mais força no estado onde distribui energia não necessariamente se reverte em um problema concorrencial. "Há uma lógica para as distribuidoras atuarem nos mercados onde já estão. É onde conhecem e onde há vantagem competitiva."
Até o fim de 2023, só empresas que usam alta e média tensão podiam contratar energia diretamente. Elas têm conta de luz acima de R$ 140 mil e consumo superior a 500 kilowatts.

Desde o início deste ano, companhias com conta de luz a partir de R$ 9.000 e demanda inferior a 500 kilowatts passaram a contratar diretamente a energia.

Com isso, o mercado livre de energia se expandiu. Sete em dez novos entrantes são empresas de pequeno e médio porte. Nesse segmento, os preços são negociados livremente entre compradores e vendedores.

Setor de energia esbarra em marketing para levar mercado livre a empresas menores

PAULO RICARDO MARTINS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Diante de novas regras que ampliam o tipo de consumidor que pode aderir ao mercado livre de energia, comercializadoras que atuam no segmento conhecido como atacado, cujo público-alvo são grandes indústrias e empresas, ainda estão receosas de expandir suas operações para outros clientes.

Se quiserem abocanhar o varejo –fatia do mercado na qual as comercializadoras podem representar empresas de pequeno ou médio porte, como farmácias e padarias–, será necessário investir, sobretudo, em marketing. É o que avaliam executivos de comercializadoras ouvidos pela reportagem.

Uma portaria do Ministério de Minas e Energia publicada em 2022 definiu que, a partir de 1º de janeiro deste ano, todos os consumidores atendidos em alta tensão poderiam entrar no mercado livre de energia.

Antes, a adesão só era permitida para quem tivesse demanda contratada acima de 500 kW (quilowatts), o que equivale a uma conta de luz de R$ 140 mil, de acordo com a Abraceel, entidade do setor que representa as comercializadoras de energia.

Na prática, a nova regra permite que qualquer consumidor que pague conta de luz em um patamar a partir de R$ 10 mil possa negociar no mercado livre.

No entanto, o cliente que consumir menos do que 500 kW fica obrigado a ser representado na CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) por um agente varejista –isto é, uma comercializadora que atue nesse segmento.

Diferentemente do mercado cativo, no qual a distribuidora acumula os serviços de infraestrutura de rede e fornecimento de energia –como a Enel e a Light fazem em áreas residenciais de São Paulo e Rio de Janeiro–, no mercado livre o consumidor pode negociar a energia diretamente com fornecedores.

A Stima é uma das comercializadoras de energia que escolheram permanecer somente no atacado. Segundo Daniela Alcaro, sócia da empresa, o varejo é um mercado de marketing que exige muito investimento.

"Se eu chegar para o cliente e falar que sou a Daniela, da Stima, uma comercializadora de São Paulo, ele não vai saber o que é isso. O custo de aquisição de cliente é altíssimo. Energia quase se resume à Enel para a maioria dos consumidores", afirma.

A Enel Trading, comercializadora de energia da concessionária Enel no Brasil, diz que vem tentando expandir a clientela varejista.

De acordo com a empresa, entre o fim de dezembro e março, período que marcou o começo da regra que ampliou a entrada no mercado livre, o número de clientes da companhia no varejo aumentou em 23%.

Além de uma página na internet com explicações sobre o mercado livre de energia, a Enel Trading também faz ações de marketing nas redes sociais. A companhia afirma ter consultores em todos os estados do país que identificam e abordam potenciais clientes para o mercado livre.

Na opinião de Fábio Fernandes, sócio da comercializadora Squadra Energia, o atacado é "menos charmoso". Ele afirma que, no estrato varejista do mercado, há mais clientes e as margens são melhores.

Apesar disso, a Squadra vai continuar a atuar somente para clientes atacadistas, por enquanto. É que, segundo ele, a expansão da operação para incluir consumidores menores pode trazer custos de digitalização.

Fernandes explica que, para grandes clientes, é possível abordá-los, fazer uma reunião e vender o produto; no varejo, o processo não é tão simples.

"[No mercado varejista] Tem de fazer com que o consumidor venha até você. A melhor forma de fazer isso hoje em dia é desenvolver um aplicativo, divulgar no Instagram, nas redes sociais. Não dá para você fazer um tête-à-tête", afirma.

Pelos planos da Squadra, a empresa vai tentar atrair mais consumidores do atacado nos próximos anos e, apenas depois desse movimento de expansão, deve anunciar a entrada no varejo.

"Neste primeiro momento, reconheço que há uma vantagem competitiva para as comercializadoras varejistas ligadas às distribuidoras, mas acho que tem espaço para outras independentes", diz Fernandes.

De acordo com os registros da CCEE, existem hoje pouco mais de 120 companhias varejistas (comercializadoras e geradoras que atuam no segmento) frente a mais de 410 comercializadoras atacadistas.

A gerente-executiva de Cadastros e Contratos da entidade, Adriana Sambiase, diz que houve um crescimento de companhias no varejo do mercado livre no ano passado, já na preparação para o início das novas regras.

Segundo ela, a expectativa é que haja uma pulverização de comercializadoras varejista neste primeiro momento. Depois o mercado deve passar por uma concentração, diz.

"Pensando um pouco em outros mercados que abriram, como na Inglaterra, no início, teve um boom dessas empresas. Com o tempo, foi tendo uma redução, uma comprando a outra, fazendo aglomerados. Eu acredito que pode ser uma tendência aqui", afirma.

De acordo com Sambiase, a CCEE está agindo para garantir a segurança do consumidor no mercado livre de energia para situações como falência de uma comercializadora.

Uma consulta pública tramita na Aneel e tem como objetivo aprimorar a regulamentação do tema.

Em sua contribuição, a CCEE sugeriu ao órgão regulador a simplificação dos processos de troca entre fornecedores varejistas e de migração entre o mercado cativo e o livre. A ideia é que o sistema seja feito em nuvem, segundo Sambiase.

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