'Meu Amigo Pinguim' tem Jean Reno, em fábula infantil com dignidade

'Silvio' é melhor como filme policial que como biografia melodramática

'Meu Amigo Pinguim' tem Jean Reno, em fábula infantil com dignidade
'Meu Amigo Pinguim' tem Jean Reno, em fábula infantil com dignidade

Inácio Araujo - Folhapress - 13/09/2024 07:00:54 | Foto: Divulgação/Paris Filmes

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Desde o título, "Meu Amigo Pinguim" propõe-se antes de tudo como filme infantil. Temos ali a história do jovem pescador que mora em Ilha Grande, estado do Rio de Janeiro, e certo dia leva o filho com ele para o trabalho em seu bote. É apanhado pela tempestade, perde o filho afogado no mar. Para piorar, era bem o dia do aniversário do menino.

Dali passamos para a Patagônia, anos depois. É o tempo da migração, os pinguins saltam na água em bando. Um pinguim aparentemente pouco sociável deixa seu grupo e empreende a viagem solo que vai levá-lo, justamente, à Ilha Grande. Eis em linhas gerais o princípio de "Meu Amigo Pinguim".

No litoral do Rio, o pinguim é encontrado por João (Jean Reno), hoje um velho pescador há décadas deprimido pela morte do filho perdido na tempestade. João apega-se de imediato ao pinguim. Logo o animal se tornará um substituto do filho -até porque ele parece vê-lo como uma espécie de presente ou retribuição do mar.

O afeto ao pinguim se torna sua razão de viver. Verdade que esse afeto é compartilhado pela comunidade local. Uma menina dá ao pinguim o nome de Dindin. João aprova. Volta a sorrir. Finda, porém, a bela temporada de acolhimento e cuidados -o pinguim chegou bem afetado à Ilha Grande-, ele desaparece e, sem dizer até logo, volta à Patagônia, Argentina.

Observe-se que o filme é baseado na história de um pinguim que apareceu no escaldante litoral do Rio, aonde não era obviamente esperado: pinguins são animais de regiões geladas.

Acompanhando Dindin, também o filme desloca-se para a Patagônia. Ali estão centenas de pinguins, com aquele jeito de "quase humanos" que os torna tão atraentes aos humanos. Ali se encontra também um casal de cientistas dedicados ao seu estudo. Logo estranham quando topam com o pinguim desviante. O marido, a parte pessimista da família, o chama de "anormal". A mulher insiste em chamá-lo de "singular".

Esse é o ponto em que o filme acrescenta ao caráter infantil, um aspecto fabular bem próprio de nossa época. Como designamos os diferentes, afinal? Por anormais ou por singulares (ou únicos, ou especiais)?
No filme, a mulher insiste na capacidade de adaptação da espécie, o que justificaria a migração surpreendente de Dindin. É por isso que ele pode sobreviver mesmo num lugar como o Rio de Janeiro.

O importante é que a fabulação está criada e estabelecida: os diferentes não são anormais, são talvez únicos, singulares. E nossos atos e ideias devem ser abalizados por aquilo que a natureza aceita.

Tudo o mais que precisamos é de liberdade. E isso João sabe dar a Dindin, que passeia pela vila, volta à Patagônia quando bem entende e reaparece pontualmente na época da migração. Claro que, para conseguir isso anos a fio, Dindin tem de ser determinado -como a lembrar a pais e crianças que, para ter algo na vida é preciso determinação.

Temos então um filme para crianças que de um fato acontecido extrai uma fábula que se endereça sobretudo aos adultos que acompanham as crianças. Quanto ao caráter infantil, ressalte-se a convivência sempre feliz na vila de pescadores, que aniquila qualquer contradição possível. É um mundo de sonhos ou pesadelos.

Com tudo isso, mais a presença de Jean Reno, temos um filme que alguém não deixará de chamar de "fofo", isto é, inofensivo e simpático. E, concorde-se ou não com a fábula e os significados ali embutidos, "Meu Amigo Pinguim" serve a crianças e adultos sem perder a dignidade.

MEU AMIGO PINGUIM
- Avaliação Regular
- Quando Estreia nesta quinta-feira (12) nos cinemas
- Classificação 10 anos
- Elenco Jean Reno, Adriana Barraza, Alexia Moyano
- Produção Brasil, Estados Unidos, 2024
- Direção David Schürmann

'Silvio' é melhor como filme policial que como biografia melodramática

INÁCIO ARAUJO
FOLHAPRESS - O título já explica a filiação do filme: "Silvio" nos introduz suavemente ao convívio familiar com o apresentador e dono de TV. E assim será todo o tempo. Não se toca em fatos controversos da vida financeira de Silvio Santos, por exemplo, e mal se aborda sua intimidade com o poder.

Dito isto, o filme tem algo de surpreendente. Em vez de abordar a biografia de seu objeto desde que usava fraldas até o velório, busca um fato central capaz de revelar sua personalidade, modo de agir, sentimentos e maneira de lidar com tudo isso. Um momento de crise ajuda, e "Silvio" fixa-se no sequestro de que o apresentador foi vítima em sua própria casa, pouco depois de uma de suas filhas ter sido liberada pelos sequestradores.

A base é, portanto, a relação entre Silvio (Rodrigo Faro) e Fernando (Johannas Oliva), sequestrador e sequestrado. Embora as intenções do jovem sequestrador nunca fiquem muito claras, isso não é relevante. O essencial é ficar claro que ele é um rapaz que preza a própria família e a admiração que demonstra por Silvio Santos não é exatamente de um bandido.

É a partir disso que Silvio pode decodificá-lo e usar sua proverbial lábia para negociar, como diz, e ao mesmo tempo, para acalmar o jovem Fernando. Outro ponto a favor do filme: não insiste excessivamente na semelhança física do ator com Silvio, nem no seu modo de falar. Dito isso, temos um filme policial confrontando essencialmente a calma e o "savoir faire" da vítima com a insegurança e imaturidade do agressor.

Até mais um pouco -Silvio trata Fernando como um filho em fim de adolescência, um tanto rebelde, porém não má pessoa. Impossível saber até onde havia cálculo nessa atitude, mas ela é conforme aos programas de TV. A ideia de afeto pelos espectadores, concorrentes e auditório era transmitida sem ambiguidades, e isso foi central em seu sucesso.

Outros aspectos da vida de Silvio Santos aparecem em flashback. São momentos em que o apresentador, durante o sequestro, lembra quem foi -a infância como camelô, os problemas com o pai, o início no rádio, a amizade com Manuel de Nóbrega, a morte da primeira mulher etc.

A maior parte justifica-se seja porque o público-alvo (os admiradores de Silvio Santos) não aceitaria que estivessem ausentes, seja porque alguns deles explicam a trajetória do personagem.

Se a primeira parte é beneficiada pela construção -exemplo: providencia-se um atirador de maus bofes, em conflito com a simpática delegada, e que entra na história para, a toda hora, tentar matar o rapaz, o que melaria de vez a estratégia e o objetivo do próprio Silvio Santos-, a segunda é um rosário de equívocos.

A direção de arte parece supor, entre outras, que o Rio de Janeiro todo se vestia e se penteava, nos anos 1940 e 1950, conforme as revistas de época mostram. A cenografia também é sobrecarregada e, se tudo corre bem com Silvio Santos, o mais difícil, a maquiagem que busca imitar Manoel de Nóbrega (Duda Mamberti) acaba por criar uma caricatura.

Também se pode por na coluna dos débitos os excessos melodramáticos dessa parte do filme, em contraste com o eixo central. Cabe imaginar que isso faça parte da estratégia geral do produto. É, afinal, com um público educado por décadas a fio de xaropadas que o filme deve contar na bilheteria.

Vale colocar no lado das contribuições a insistência em ressaltar certos valores que, francamente, estão um tanto fora de moda -a lealdade, o respeito à palavra dada, a honra e, acima de tudo, a negociação como dado essencial da existência. Ao mesmo tempo, mal se toca na fortuna de Silvio.

Entre altos e baixos -inclusive na direção de atores- "Silvio" se equilibra. Corrige, surpreendentemente, certos defeitos em que o roteiro brasileiro se especializou e consegue mostrar uma face aceitável, embora favorável, do apresentador, ao mesmo tempo em que se apega ao velho dramalhão, buscando garantir o afeto do espectador.

Se chegar a isso para o que foi feito -o sucesso- essa mistura de policial e biografia terá contribuído para ampliar o repertório do filme brasileiro de grande público, limitado neste século, praticamente, a comédias.

Silvio
Avaliação Bom
Quando Estreia nesta quinta-feira (12) nos cinemas
Classificação 14 anos
Elenco Rodrigo Faro, Paulo Gorgulho, Polliana Aleixo
Produção Brasil, 2024
Direção Marcelo Antunez

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