"Somos um governo novo, com uma herança maldita deixada pelo Partido dos Trabalhadores, sem falar na roubalheira. E por 30 anos o Brasil criou o presidencialismo de coalizão, em que o resultado, todos nós conhecemos"
Por Ana Dubeux, Denise Rothenburg E Leo Cavalcanti-correio Braziliense - 31/03/2019 23:56:52 | Foto: Correio Braziliense
Chefe da Casa Civil diz que é necessário manter a modéstia nas negociações, mostra-se otimista na aprovação da reforma da Previdência ainda no primeiro semestre e critica ação da OAB contra a recomendação de Bolsonaro de comemorar o dia 31 de março
Prestes a completar 100 dias, em 11 de abril, o governo Jair Bolsonaro conseguiu fechar a semana com um respiro em relação a controvérsias e troca de chumbo entre aliados e parlamentares. A dúvida é quanto tempo a trégua vai durar, até a próxima troca de tuíte ou declaração agressiva. Mas não para o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, 64 anos. Para ele, os atritos eram esperados, mas a tendência é que as polêmicas decantem e a reforma da Previdência — o principal projeto do Planalto — avance no Congresso e seja aprovada antes do recesso de julho.
“É preciso tempo, paciência, resiliência e humildade”, disse Onyx em entrevista ao Correio, ao final da tarde da última sexta-feira, em seu gabinete, no quarto andar do Palácio do Planalto. Pouco antes de receber a reportagem, o ministro trabalhava com a organização do anúncio dos 100 primeiros dias do governo Bolsonaro. “Vem aí o revogaço”, diz ele, referindo-se à revogação de mais de 200 decretos do Poder Executivo, de forma a simplificar a vida do cidadão.
Quanto aos sobressaltos que o governo passou em tão pouco tempo e às resistências a pontos da reforma, ele é direto: “Nenhum projeto de nenhum governo passa incólume pelo Parlamento. Vamos discutir na comissão de mérito”, diz ele, citando o texto do governo não como uma reforma, nos moldes das gestões passadas, mas uma mudança total no sistema previdenciário do país. E, num caso desses, os sobressaltos ocorreriam. “Isso era perfeitamente previsível. A gente sabia que ia ser complexo. A alta burocracia se defende, porque burocracia significa proteção e poder”, comenta, ao ressaltar que a “nova Previdência” exige um pacto pelo Brasil. “Ou vamos ser a Grécia e mergulhar no abismo ou vamos ser o Portugal, que em um belo dia cortou 30% de pensões de aposentadorias. Os portugueses gritaram, choraram, mas o que aconteceu? Tiveram que aguentar. Imagina cortar 30% de pensão hoje!”
Questionado se faria comemorações hoje, 31 de março, Onyx disse que a “sociedade brasileira, majoritariamente, escolheu o caminho da democracia e para evitar o processo que vinha da Guerra Fria”. Segundo ele, “todo mundo sabe da história”. “As pessoas sabem que nunca lutaram contra a democracia, lutaram contra a ditadura comunista. “A democracia não tava no horizonte. Foi necessário aquele movimento”, diz ele, que atacou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que na sexta-feira denunciou Bolsonaro por recomendar que se promova uma “comemoração adequada” do golpe. “Um absurdo, eu fico triste de ver que a entidade como a OAB se presta a isso. As pessoas do mundo todo vão rir do Brasil, não tem nenhum sentido. A OAB deveria cuidar das coisas do Brasil, deixa a ONU para lá.”
A seguir, confira a entrevista:
O que dá pra ressaltar nos primeiros 100 dias de governo?
Faremos o balanço no dia 11 de abril. Não vamos antecipar, já que é lá que vamos comemorar. Nós tínhamos 35 metas, e estamos aí com mais de 90% do cumprimento. A gente acha que vai chegar, mas, se não alcançar os 100%, deve ser 98% para cima. Estamos coletando outras ações que desenvolvemos e tem um balanço muito positivo para o governo. O que são os primeiros 100 dias? Isso é governança pública, padrão OCDE, que é o projeto criado pelo TCU, já aplicado na transição, quando lançamos aquela cartilha de governança pública. Todos os ministros e secretários executivos passaram por treinamento na Escola Nacional de Administração Pública. Estamos praticando o procedimento tanto com metas finalísticas, quanto metas transversais. Trabalhamos com a digitalização do governo até os primeiros quatro anos. Reduzimos ministérios e níveis hierárquicos. Cortamos as primeiras 21 mil funções de cargos e comissões. Vamos implantar, antes dos 100 dias, as primeiras unidades de integridade e combate à corrupção, uma no Ministério da Saúde e outra, no Ministério de Agricultura, justamente por terem grande capilaridade. No combate à corrupção, não adianta somente ter Polícia Federal forte, o Judiciário... A gente precisa mudar a cultura na área pública, trabalhando por dentro. Vamos fazer teste da forma de funcionamento em aproximadamente 90 dias e, provavelmente, em agosto, implantamos em toda a Esplanada. Cada pasta terá uma unidade integradora e controle.
É a volta do controle interno?
Não, é um modelo semelhantes às unidades de compliance aplicado às empresas privadas.
Mas o governo tem apresentado muitas dificuldades.
Vamos lá, primeiro deixa eu falar da reforma, que é um nome ruim para uma coisa boa e diferente. Quem fez reforma foi FHC. Lula, Dilma e Temer, uma maquiagem, um conserto pontual. Nós apresentamos um novo sistema previdenciário. Antes de mandar a reforma, mandamos a MP de fraudes do INSS e entregamos o projeto que melhora a cobrança a devedores. Depois, pela primeira vez na história republicana, desde o século XIX, separamos Previdência de assistência, para a sociedade ter clareza. Quando lembramos de João 8:32, é a verdade. A verdade é que Previdência é sistema de seguridade. O Brasil tem sistema de repartição, e a assistência social é de outra natureza, tem que ser coberta com taxas, imposto e contribuições. A sociedade tem que ter clareza do custo e de como se faz essa rede de solidariedade, que tem que existir. Outra coisa, estamos consertando o barco, que está furado, para permitir que ele continue flutuando, tenha capacidade de receber milhões de pessoas que vão se aposentar na próxima década, e ele possa pagar pensões e aposentadorias rigorosamente em dia. Eu considero o sistema de pensão uma falha geracional. Ele podia funcionar em um mundo do trabalho, que, a partir de meados dos anos 1980, começou a se transformar, a forma como o trabalho se organizou na época. Hoje é diferente. Outra coisa importante, graças a Deus, as pessoas vivem mais por causa dos avanços da medicina, melhoria do padrão de vida brasileiro, alimentação, saneamento. Outro problema é: meu avô vem de uma família de 11 filhos, não sendo o padrão atual. Então, a conjugação desses aspectos, a mistura de Previdência e assistência, e a irresponsabilidade da gestão fizeram um buraco no navio. E o que estamos fazendo? Estamos consertando com equidade. É para todos, para todo mundo, a partir da cota de sacrifício no aumento das alíquotas e na incidência de alíquotas para todos — mas, diferentemente das outras, não há retirada de direitos para ninguém, nem no regime próprio, nem na Previdência Geral.
Mas há uma dificuldade para que a sociedade apoie, principalmente em relação à capitalização.
Isso é importante, a gente corrige e dá condição de flutuação para o barco novinho para os nossos filhos e netos, que é o regime de capitalização. É diferente do chileno, que foi em fundo. O nosso será em poupança individual para aposentadoria. Escolhemos a poupança porque a poupança é conhecida dos extratos menos “aquinhoados” da população, e a população confia. Na medida em que seja assim, essa poupança individual vai ter característica importante: uma portabilidade de 3 a 4 anos. Então imagina a disputa dos bancos para receber poupança sobre remuneração. Usando mecanismo de mercado, o Brasil tem do PIB 15,5% de poupança interna, mas terá condições de bater 20%, com a capacidade de alcançar 3% do crescimento ao ano. Além de que vai melhorar câmbio, reduzir dependência do recurso externo, financiar o próprio crescimento e atualização tecnológica, na medida em que seja assim, uma transformação profunda.
Mas o presidente parece não ter convicção da reforma, e a troca de declarações com o Maia atrapalhou tudo. Como resolver?
Primeiro, com muita humildade. Somos um governo novo, que tem uma herança terrível deixada pelo PT, para não falar maldita. São 13 milhões de desempregados, R$ 139 bilhões de deficit primário, 9% de analfabetos, enquanto que os funcionais são 30%. Parte dos alunos que entra nas escolas públicas e privadas não faz interpretação de texto nem equação matemática. Isso é a herança petista, sem falar na roubalheira. Estamos falando daquilo que mexe com a vida da cidadania, 60 mil homicídios por ano. Evidente que, em um período curto, essa tragédia se abateu sobre o Brasil, misturando incompetência com projeto de poder continental, e é a dificuldade que nós temos. Por 30 anos o Brasil criou presidencialismo de coalizão, em que o resultado, todo nós conhecemos.
Essa dificuldade é a dificuldade com o Maia?
Não, isso é outra questão. Vou tentar equacionar para não cair no reducionismo de o problema ser o “Maia e o presidente”, que é ótimo para a manchete do jornal, mas é uma tragédia para o Brasil. Nós temos 30 anos de presidencialismo de coalizão que está sendo modificado. Como está sendo modificado? Montamos o primeiro escalão independente, enquanto que, no segundo escalão, o presidente da República nomeou uma pessoa, que é o secretário nacional da pesca. Mais ninguém. Vocês já viram isso? Ninguém nunca viu isso no Brasil.
E quem está nomeando?
Os ministros, com total independência. O que acontece: é claro que tem um processo de adaptação. O Congresso é o mesmo? Não. São 249 deputados novos e 46 senadores novos. Então, é evidente que tudo isso precisa de tempo, paciência, resiliência e humildade para poder persistir no diálogo. Então o que aconteceu: quando começamos a ajustar, houve uma situação de desentendimento de parte a parte, e a gente encontra razão de todos os lados.
Não importa quem errou?
Não, até pelo fato da humildade, como o presidente teve e o Rodrigo (Maia) também. A gente dizia: erramos? Erramos. Vamos arrumar? Vamos. Essa semana foi a semana do apaziguamento. Na terça-feira, passei duas horas e cinquenta minutos reunido com 14 líderes partidários dentro de uma sala, onde conversamos sobre tudo que tinha que ser conversado.
Qual foi a principal reclamação deles?
Dá pra escrever um livro. Na quarta-feira, fui ao Senado e passei mais de 3 horas lá. Falei com oito líderes de partidos. Nós conversamos aqui também na quinta, quando o cenário passou a mudar. Comecei com o Davi (Alcolumbre), (Rodrigo) Maia. Graças a Deus, passamos a desanuviar as tensões.
O que é velha política e o que é nova política?
Isso foi uma disputa feita na eleição, e que permitiu que houvesse essa renovação e vitória dele (Bolsonaro). Depois de formatados a Câmara e o Senado e tendo um presidente, acabou. Daqui para frente é a política, numa nova forma de construção de relacionamento entre poderes Executivo e Legislativo, o qual ainda está em uma fase de aprendizagem. Vamos lá, nós temos um campeonato a ser jogado, que é o campeonato de desenvolvimento. Nós temos quatro anos para jogar esse campeonato. Vamos lá: qual era a previsão em junho do ano passado? “Quando começar a campanha do Bolsonaro, ele perde espaço.” Depois: “Mas quando entrar a televisão, acaba”. Aí, por pouquinho, não liquidamos no primeiro turno. “No segundo, ele perde”. Não perdeu. Quando teve a disputa lá no Senado... Só uma parcela apostava no Davi. E ele ganhou.
O Davi foi considerado uma boa articulação da sua parte. Como o senhor vai operacionalizar isso no Senado?
A nova política foi uma resposta da sociedade eleitoral que, na minha opinião, e eu tenho conversado internamente, acabou. Agora o estado é de fazer política. Para que foi inventado o Estado? Para garantir a nossa integridade física. Depois, melhorar a condição de vida da sociedade. Aí, quando a gente evoluiu para a democracia, se escolheu, desde o iluminismo francês, a tripartição dos poderes. E quando os americanos inventaram o presidencialismo republicano, então diminui o poder para o rei, afinal pode ser qualquer um de nós. E nós no Brasil precisamos reinventar a nossa forma de nos relacionar. De forma que tenha mais transparência, de forma que seja mais facilmente identificável pela sociedade. E eu não tenho nenhuma dúvida de que a Nova Previdência é o portal da prosperidade para o Brasil, devido aos seus reflexos econômicos importantes, que vão trazer para o nosso país, o volume de investimentos. E, por outro lado, a Nova Previdência é a chance de o Congresso se reencontrar com a sociedade, que, nos últimos anos, teve quase que um divórcio.
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