Os impactos da obesidade infantil e da dieta ocidental na função cognitiva cerebral

Não é de hoje que a obesidade infantil representa um grave problema de saúde pública

Os impactos da obesidade infantil e da dieta ocidental na função cognitiva cerebral
Os impactos da obesidade infantil e da dieta ocidental na função cognitiva cerebral

Por Bernardo Petriz, - 28/10/2023 12:17:05 | Foto: Divulgação Bernardo Petriz

Não é de hoje que a obesidade infantil representa um grave problema de saúde pública, estando relacionada a diversas condições de saúde, como diabetes, hipertensão, depressão e inflamação. De forma geral, todas essas condições estão associadas ao risco de declínio cognitivo na vida adulta. Além disso, crianças com obesidade têm maior probabilidade de desenvolver outras doenças crônicas, como doenças cardiovasculares.

Crianças obesas também são frequentemente alvo de bullying, o que pode levar a problemas de isolamento social, depressão e baixa autoestima. Por fim, a obesidade infantil está associada a um risco aumentado de obesidade na vida adulta, além do desenvolvimento de doenças cardiovasculares, diabetes tipo II, síndrome metabólica e diversos tipos de câncer.

Sabemos que a obesidade é uma doença complexa determinada por diversos fatores externos e internos, é o que chamamos de doença de origem multifatorial. No entanto, os hábitos alimentares possuem uma contribuição primordial para essa doença. As dietas hipercalóricas, com alto teor de gordura saturada e açúcar, são frequentemente chamadas de "dietas ocidentais", devido ao seu elevado consumo em sociedades ocidentais e ocidentalizadas. Centenas de estudos científicos mostram os efeitos negativos desse tipo de dieta quando consumida regularmente. Mais recentemente, diversos grupos de

pesquisa passaram a focar nos efeitos negativos da dieta ocidental no sistema nervoso, em especial, no hipocampo, uma estrutura com papel crucial em diversos processos cognitivos envolvidos no processo de aprendizagem e formação da memória. A atrofia do hipocampo tem consequências clínicas relevantes, sendo a estrutura mais afetada precocemente em vários distúrbios neuropsiquiátricos, como a doença de Alzheimer e a epilepsia.

Estudos conduzidos em modelos animais e em humanos demonstraram que o consumo da dieta ocidental está associado não só ao ganho de peso e doenças metabólicas, mas também a disfunção na memória associadas a danos no hipocampo. Usando técnicas combinadas de ressonância magnética com biologia molecular, os pesquisadores mostraram que a dieta ocidental promove o aumento da inflamação na região do hipocampo e a redução do fator neurotrófico derivado do cérebro, molécula que auxilia no desenvolvimento de neurônios no cérebro.

Estudos recentes indicam que crianças com obesidade podem apresentar danos cerebrais precoces, o que pode estar associado a problemas de atenção e memória. Em um artigo publicado no periódico International Journal of Obesity, foram apresentadas evidências importantes que corroboram esses achados. Crianças com excesso de peso demonstraram uma série de diferenças negativas em comparação com seus pares com peso saudável em relação a funções executivas, atenção, habilidades visuoespaciais e habilidades motoras.

Embora a relação entre obesidade e funcionamento cognitivo geral, linguagem, memória, aprendizado e desempenho acadêmico ainda seja incerta, há evidências mais consistentes da associação entre obesidade e disfunção executiva. Essa disfunção pode estar relacionada a comportamentos que favorecem a obesidade, como aumento da ingestão alimentar, falta de controle na dieta e menor atividade física.

Por fim, um dos tópicos mais discutidos atualmente é se os efeitos negativos no cérebro são mais influenciados pela dieta ou pelo peso corporal. Em uma pesquisa recente feita com 52 crianças entre 7 e 9 anos de idade, os resultados indicaram que as crianças que consumiam mais gordura saturada apresentavam escores mais baixos na memória relacionada ao hipocampo, independentemente do índice de massa corporal. Por outro lado, uma dieta rica em ácidos graxos ômega-3 melhorou a memória relacional, que ajuda a distinguir e lembrar as relações entre coisas e ideias.

Dependendo dos dados, como os do estudo acima, parece que a dieta é mais determinante do que a própria obesidade, embora o maior problema ocorra quando as duas coisas se combinam: excesso de peso e uma dieta rica em açúcares e gorduras saturadas... a tal dieta ocidental.


Fonte:

Baym CL, Khan NA, Monti JM, Raine LB, Drollette ES, Moore RD, Scudder MR, Kramer AF, Hillman CH, Cohen NJ. Dietary lipids are differentially associated with hippocampal-dependent relational memory in prepubescent children. Am J Clin Nutr. 2014, 99(5): 1026-1032
Liang J, Matheson BE, Kaye WH, Boutelle KN. Neurocognitive correlates of obesity and obesity-related behaviors in children and adolescents. Int J Obes (Lond). (2014), 38(4): 494-506
Davidson TL, Hargrave SL, Swithers SE, Sample CH, Fu X, Kinzig KP, Zheng W. Inter-relationships among diet, obesity and hippocampal-dependent cognitive function. Neuroscience. 2013 Dec 3;253:110-22.


Bernardo Petriz é professor universitário e pesquisador na área da Ciência do Exercício & Saúde. Possui mestrado em Educação Física e doutorado em Ciências Genômicas e Biotecnologia. É também autor de um livro: "Fisiologia Molecular do Exercício" e fundador da produtora Ciência para Saúde.

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