Sensação em Hollywood: nada menos do que duas cineastas concorrem ao troféu de Melhor Direção – fato inédito, em 92 anos de Oscar. Os fatores vão desde o movimento MeToo aos efeitos da pandemia sobre o setor.
Nadine Wojcik - Portal Dw De Noticias - 24/04/2021 07:05:34 | Foto: Portal Dw De Noticias
"E o Oscar vai para..." ... um homem, de um ponto de vista puramente estatístico. Também em 2021, 68% dos candidatos são do sexo masculino. A boa notícia é o aumento da percentagem de mulheres indicadas para o prestigioso troféu de cinema, de 28,5%, no ano anterior, para 32%.
Isso não é tudo: pela primeira vez, duas mulheres, Chloé Zhao e Emerald Fennell, concorrem ao prêmio de Melhor Direção. O fato causa sensação em Hollywood, já que desde a criação de Oscar, 1929, apenas cinco diretoras mereceram essa honra. E só uma ganhou: Kathryn Bigelow, em 2010, com Guerra ao terror – no qual, aliás se veem muitos homens em papéis estereotipicamente masculinos.
A proporção histórica, portanto, é de 92 para uma. Afinal, a categoria Melhor Direção tem grande peso simbólico, já que nenhuma outra função no set de filmagem é tão importante e poderosa. E não só na indústria cinematográfica é difícil se ver uma posição de comando ser entregue a uma mulher.
Mas o ano 2020 já trazia prenúncios de uma mudança profunda: dirigido por Greta Gerwig, Adoráveis mulheres , sobre quatro irmãs, foi indicado para seis categorias, entre as quais a principal, de Melhor Filme – mas não a de Melhor Direção.
Numerosas mulheres resolveram desabafar nas redes sociais sua indignação com a gritante discriminação de gênero, através do hashtag "OscarsSoMale" (OscarsTãoMachos). Na cerimônia da Academy of Motion Picture Arts and Science (Ampas), a atriz Natalie Portman desfilou pelo tapete vermelho com um vestido onde se viam, bordados em ouro, os nomes das mulheres que ela considerava terem merecido o Oscar – entre elas, a cineasta Greta Gerwig.
Essa nova onda de afirmação feminina se deveu, em parte, a um dos maiores escândalos da história de Hollywood: em 2017, mais de 100 mulheres ousaram depor publicamente contra o magnata do cinema Harvey Weinstein, desencadeando o movimento MeToo.
Há muito era um segredo público que o mais poderoso produtor dos Estados Unidos não hesitava em fazer avanços sexuais às jovens atrizes que lhe cruzassem o caminho. No entanto, até então todas haviam se calado. Em fevereiro de 2020, Weinstein acabou por ser condenado a 23 anos de prisão por estupro e assédio sexual.
Em 2018, mais de 300 diretoras, atrizes e produtoras fundaram a iniciativa Time's Up (Acabou o tempo). Criada com o fim de prover apoio jurídico a colegas vítimas de assédio ou abuso sexual, ela se transformou numa das mais importantes organizações lobistas para a igualdade de gêneros no setor cinematográfico.
Desde então, o mundo do cinema está em revolução, também dentro da duramente criticada Ampas. Seguindo a tradição, seus membros indicam os ganhadores do Oscar. E é praticamente uma premiação de colegas para colegas, pois só integra a associação quem já tenha sido antes indicado para o troféu ou venha recomendado por dois outros afiliados.
Assim, há décadas vinha se perpetuando esse clube elitista de homens velhos e brancos. Mas a situação está mudando: há cerca de cinco anos anos, a Academia passou a convidar ostensivamente novos membros, também mulheres, em proporção crescente. Assim, de 2015 para 2020, a proporção feminina da família com 9 mil membros, passou de 25% para 32%.
Estatueta cobiçada no mundo do show business
"O que vemos na tela e o que vemos na vida real são diametralmente opostos", afirmou num Ted Talk a professora de comunicação Stacy Smith. Com sua Annenberg Inclusion Initiative, há vários anos ela fornece fatos científicos sobre o abismo entre os gêneros. A estatística anual mostrou que em 2019 apenas 34% de todos os papéis cinematográficos foram entregues a mulheres.
Essa porcentagem só tem se alterado poucos pontos percentuais ao longo das décadas, no que Smith define como uma "epidemia de invisibilidade". E a disparidade se perpetua para além das telas: segundo a organização Women in Film, dois terços das críticas nos EUA são escritas por homens.
Serviços de streaming e pandemia distanciam jovens do cinema
Uma das soluções propostas pela professora americana é contratar mais diretoras. "Nossas análises mostram que nesse casso também há mais papéis femininos, mais histórias sobre mulheres, sobretudo acima dos 40 anos, mais diversidade em toda a equipe e, acima de tudo, mais mulheres em posições-chave."
Pois justamente o setor técnico-artístico continua firme em mãos masculinas: nos 92 anos de história do Oscar, apenas uma mulher foi indicada na categoria Melhor Fotografia, e da de Efeitos Especiais, até agora constaram quatro. Mas, se o Oscar reproduz a tal ponto os estereótipos de gênero clássicos, então será que elas predominam em campos "tipicamente femininos", como Figurino ou Maquiagem?
Em 2021, definitivamente sim. Mas, observando-se o histórico do prêmio, profissionais femininas são maioria em Figurino, com 302 indicações contra 221 para seus colegas homens. Já em Maquiagem e Penteados, entretanto, elas perdem, por 108 a 168.
Como se explica que agora sejam logo duas candidatas a competir na categoria Melhor Direção? Segundo alguns conhecedores do setor, o fator decisivo não foram as numerosas iniciativas de igualdade entre os sexos, mas sim a pandemia de covid-19.
Diversos blockbusters de campeões dos Oscars – entre eles, West Side Story de Steven Spielberg, The last duel de Ridley Scott e The French dispatch de Wes Anderson – tiveram a estreia adiada devido à crise sanitária. Assim, filmes menores, de baixo orçamento, lançados em streaming, e não nos cinemas receberam atenção muito maior. E, como os megaestúdios, com suas produções conservadoras em termos de gênero, foram forçados a um ano de pausa, abriu-se uma perspectiva surpreendente feminina.
No favorito Nomadland , Chloé Zhao não só dirigiu, como escreveu o roteiro e editou. A atriz Frances McDormand, que protagoniza o filme, atuou também uma produtora decidida ao seu lado. E a diretora Emerald Fennell também é a roteirista de Bela vingança , com Carey Mulligan no papel principal.
Só se pode especular se duas mulheres também estariam na lista de indicados para o Oscar sem a pandemia e, consequentemente, com a pesada concorrência dos blockbusters. Garantido está: a atenção que ambas e seus filmes mais modestos e intimistas receberão este ano já faz parte da história da Academia de Cinema.
De 1º a 5 de março de 2021 o Festival Internacional de Cinema de Berlim é exclusivo para o público especializado. Porém alguns live-streams também estarão disponíveis a todos, de graça. Na sexta-feira, por exemplo, Céline Sciamma ("Retrato de uma jovem em chamas") fala sobre seu processo criativo. Seu filme mais recente, "Petite maman" (foto) compete com 14 outras produções ao Urso de Ouro.
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