Os fabricantes reconhecem que seu negócio é nicotina, e o cigarro, seu produto mais eficiente para levar essa droga ao cérebro e causar dependência.
Por Tânia Cavalcante E Ana Cristina Pinho-correio Braziliense - 29/03/2019 15:57:18 | Foto: Pixabay
Cigarros causam câncer e outras doenças graves. Mas lobistas da indústria do tabaco defendem que medidas para reduzir seu consumo representam ativismo contra a produção de tabaco, caracterizando-o como produto do agronegócio similar à soja e ao milho. Tentam assim obstruir a implementação da Convenção Quadro para Controle do Tabaco, tratado internacional de saúde ratificado pelo Congresso Nacional em 2005.
A Convenção não proíbe a produção de tabaco, planta que também pode ser usada na fabricação de medicamentos. Mas sua principal destinação é a fabricação de cigarros, produto que causa 7 milhões de mortes anuais no mundo. O objetivo da Convenção é reduzir o seu consumo.
Os fabricantes reconhecem que seu negócio é nicotina, e o cigarro, seu produto mais eficiente para levar essa droga ao cérebro e causar dependência. A neurociência classifica o tabagismo como uma doença do cérebro, porque afeta neurônios responsáveis pela sensação de recompensa e motivação, resultando na perda do controle sobre o uso da nicotina. Em cada tragada, substâncias tóxicas e cancerígenas do cigarro adentram pulmões e sangue dos fumantes, minando continuamente suas células e órgãos.
Aqueles que os culpam pelas doenças que desenvolvem desconsideram que a iniciação no tabagismo ocorre em massa na adolescência. No Brasil, 80% dos fumantes começaram a fumar até os 18 anos. Verdadeiras arapucas foram construídas para capturá-los: sedutoras propagandas enaltecendo os cigarros; aditivos com sabores adocicados mascarando seu gosto ruim; e as belas embalagens exibidas em prateleiras ao lado de guloseimas.
Paralelamente, aliados políticos dessa indústria procuram emperrar a aprovação de leis para prevenir a iniciação no tabagismo. Quando aprovadas, litígios protelam sua implementação, a exemplo da ação de inconstitucionalidade movida em 2012 por fabricantes contra a medida da Anvisa proibindo sabores em cigarros, que continua suspensa por liminares.
Os argumentos são velhos conhecidos: “aumentarão o contrabando de cigarros” ou “prejudicarão os produtores de tabaco”. As mesmas empresas que repetem esses mantras obstrucionistas são processadas em outros países por fraudes e envolvimento no contrabando de cigarros. Mas pressionam o governo federal e os estaduais a reduzirem os impostos sobre cigarros como panaceia para combater o contrabando.
O aumento de IPI sobre o cigarro respondeu por 50% da redução do tabagismo no Brasil, explicando tamanho antagonismo contra essa medida. Recentemente o Brasil ratificou o Protocolo para Eliminar o Mercado Ilegal de Cigarros, importante instrumento de cooperação internacional para enfrentar o crime organizado, que está na raiz desse problema. Será a resposta mais eficaz contra o contrabando de cigarros.
Essas mesmas empresas multinacionais controlam 150 mil pequenos agricultores familiares que produzem tabaco no Sul do Brasil. Reféns de dívidas que jamais conseguem quitar, esses produtores e suas famílias são também vítimas de doenças ocupacionais como a intoxicação pela nicotina da folha absorvida pela pele na colheita. As regiões fumageiras registram os maiores índices de depressão e suicídio entre agricultores, segundo dados do Ministério da Saúde.
Esse quadro tende a se deteriorar. Ao contrário dos alimentos, que sempre terão mercado, a demanda global e nacional por cigarros está caindo, situação preocupante, pois 90% do tabaco produzido é exportado. Grandes fabricantes de cigarros já diversificaram seus negócios e anunciam que deixarão de produzi-los. Eles serão substituídos por produtos como cigarros eletrônicos, que não usam tabaco em folha ou usam um volume muito pequeno.
O Programa de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco, em implementação pelo governo federal, demonstrou que outras atividades podem ter rentabilidade igual ou superior ao tabaco. Mas o programa ainda precisa ampliar sua cobertura.
O tabagismo segue matando 157 mil brasileiros por ano. O custo anual chega a R$ 57 bilhões, enquanto a arrecadação de impostos sobre cigarros é inferior a R$ 13 bilhões. Esses números seriam ainda piores, se a proporção de fumantes na população brasileira não tivesse caído de 35% em 1989 para os atuais 10%.
Os que obstruem a Convenção, na verdade, não defendem os meios de vida dos produtores de tabaco nem contribuem para reduzir o contrabando de cigarros. Apenas prestam serviço às empresas multinacionais de cigarros, cujos elevados lucros dependem de sua capacidade de causar tabagismo, uma grave doença pediátrica.
TÂNIA CAVALCANTE
Secretária-executiva da Conicq/Instituto Nacional do Câncer (Inca)
ANA CRISTINA PINHO
Diretora-geral do Inca
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