Joaquim Levy
Estadão Conteúdo - 03/08/2020 08:03:42 | Foto: Wilson Dias - ABr
Joaquim Levy aceitou convite do Safra porque queria voltar a trabalhar no setor privado. “O Safra é parecido comigo em muitos aspectos, preocupado com segurança e transparência. E tudo o que faz, faz de forma planejada, analisando todos os aspectos exaustivamente”, justificou à coluna, em sua primeira entrevista depois que assumiu o cargo de diretor de estratégia e relações com o mercado do banco. A ‘jornada’ de trabalho de vida de Levy inclui Tesouro Nacional, Ministério da Fazenda, Banco Mundial e BNDES. Como cada uma dessas experiências o afetou? “Acho que foram me ensinando a valorizar as equipes com que trabalhei. Fui muito feliz de contar com equipes extraordinárias e espero continuar aprendendo”, contou à coluna, em conversa semana passada, o economista.
É fato que a crise global do coronavírus e a montanha de dinheiro injetado na economia produzirá gigantes déficits fiscais pelo mundo. No caso do Brasil, tudo indica que para fazer frente aos danos causados também pelos efeitos da pandemia, pode haver a decisão de aumento de impostos pelo governo federal. Que acha da proposta de um novo tipo de CPMF digital? “Hoje, a cobrança pelos bancos do novo PIS/Cofins no momento de pagamento entre empresas, deduzindo os créditos do tributo devido, como proposto por alguns, talvez trouxesse mais resultados do que uma CPMF e não pesasse muito nas empresas”, analisa Levy. Aqui vão trechos da entrevista:
Qual sua leitura dessa crise econômica? Podemos dizer que trata-se de uma espécie da terceira guerra mundial onde o inimigo é invisível?
A pandemia nos relembra da fragilidade da vida, um alerta do que pode vir a acontecer em caso de mudança climática severa. A economia como um todo foi afetada, com forte impacto social. Quadro triste, que levará tempo para ser corrigido, mas que também pode permitir uma melhora rumo ao futuro.
No campo fiscal, como vê o corona voucher e a criação de um novo tipo de Bolsa Família, o Renda Brasil?
O corona voucher foi muito importante, significou um grande alívio. Ele é um mecanismo temporário, e a saída dele tem que ser bem sincronizada com a retomada do trabalho. Essa experiência é provavelmente diferente de mudanças ambiciosas no arcabouço do sistema de transferências sociais. O Bolsa Família ajudou sem ter impacto fiscal negativo porque era focado, olhava o longo prazo e não criava uma obrigação de pagamento permanente. Esses princípios me deram muita segurança quando o benefício foi criado e eu era secretário do Tesouro. E ainda me parecem válidos.
Aprova a volta de uma espécie de CPMF digital?
P ermita-me usar uma frase que o Mark Carney (ex-presidente do Banco da Inglaterra) usava quando se discutia inovação financeira no Conselho de Estabilidade Financeira do G20: o importante é a atividade e não a tecnologia que se está usando. Ele dizia que se uma instituição está emprestando com dinheiro do depositante, então é um banco, independente da tecnologia. No caso da CPMF, a questão não é ser digital, mas qual a ação que está sendo tributada. A CPMF é digital, porque cobrada pelos bancos. Mas, nos idos de 2004-2005 pude ajudar a Receita Federal a evitar sua cobrança, por exemplo, no rebalanceamento de carteiras e outras movimentações que não representassem, por exemplo, consumo. Hoje, a cobrança pelos bancos do novo PIS/Cofins no momento de pagamento entre empresas, deduzindo os créditos do tributo devido, como proposto por alguns, talvez trouxesse mais resultados do que uma CPMF e não pesasse muito nas empresas. Mas tenho confiança que o Congresso vai encontrar o melhor caminho.
O Brasil consegue sair da crise sem aumentar impostos?
A teoria econômica diz que quando um país sofre um choque como o que sofremos, a melhor solução é tomar emprestado no exterior e ir amortizando os custos aos poucos. Como o choque foi global, essa opção ficou mais limitada. É preciso pensar nas próximas gerações. A resposta tem que equilibrar cuidadosamente o quanto um déficit evita redução do crescimento potencial agora, deixando uma base maior para as futuras gerações, e o quanto o que resulta é apenas o uso antecipado de recursos futuros onerando nossos filhos. Esse equilíbrio vai definir os limites no gasto e o aumento dos impostos.
Uma vacina permitirá voltar à vida anterior?
Sabe-se que sempre há novos vírus, a vida não será exatamente como antes. Provavelmente novas redes de alerta e proteção imunológica serão desenvolvidas, como aconteceu na Ásia depois do SARS nos anos 2000. Essas redes aumentam a resiliência dos países, mas precisam ser planejadas.
A atuação forte de todos governos, derramando dinheiro em suas próprias economias, faz você repensar sobre que o tamanho do Estado? Essa pandemia enfraqueceu a teoria liberal, a da defesa de um Estado mínimo?
São ações para amenizar a situação e preparar terreno mais adequado para a retomada. Essa atuação mostra o Estado no seu papel de organização da cidadania para enfrentar grandes desafios ou ameaças. Mas seu tamanho não é necessariamente a melhor indicação do que ele consegue fazer.
Dá para imaginar qual o mudança do papel do Estado no pós-pandemia? No caso do Brasil, qual deveria ser o tamanho do Estado e quais papéis ele deve exercer e de quais tem que sair?
Na ausência de um inimigo externo, o Estado democrático foca nas expectativas da sociedade. Ela tem articular, de maneira realista, o caminho. A reconstrução pode permitir um Estado melhor. A ajuda que a teoria econômica pode dar nesse esforço são princípios como concorrência, reconhecimento do mérito, mecanismos de ampliação de oportunidade de trabalho e ascensão econômica, inclusive pela educação e formação de patrimônio.
Pode-se dizer que mais da metade dos papéis que rodam o mercado financeiro hoje estão ‘pagando’ juros negativos. Esse excesso de liquidez pode gerar uma nova bolha seja ela no mercado imobiliário ou nas bolsas?
Para muitos economistas, os juros negativos tem elementos estruturais e demográficos. Na medida em que se consome mais serviços, há menos necessidade de capital físico. Por outro lado, os baby boomers (geração nascida entre 1945 e 1965) são hoje o maior contingente populacional, viveram uma grande expansão econômica, acumulando muito patrimônio. E ao envelhecerem, passam a ter menos apetite ao risco e descobrem que poderão viver mais. Assim, têm optado por poupar. Ambos fatores levam a juros menores.
O excesso de liquidez pode beneficiar o Brasil no financiamento de projetos de infraestrutura? Saneamento especificamente?
S e soubermos oferecer nível de risco compatível, sim. Para o Brasil, o saneamento traz o bônus triplo: pode oferecer oportunidade de investimento para o poupador local, melhorar dramaticamente de vida das pessoas. O mesmo vale para setores como o gás natural, se o marco legal promover abertura do mercado. É importante destacar que elevar investimentos nessas áreas, além do bem estar sol, significa uma boa vacina contra bolhas financeiras.
Os bancos centrais do mundo vão ter que enxugar essa liquidez depois da pandemia? Serão rápidos o suficiente para evitar bolhas?
A maior parte dos bancos centrais estão atentos a riscos de inflação e à estabilidade financeira, e dispostos a combatê-los. E por isso estarão atentos aos riscos fiscais.
A era da dominação do mercado financeiro, tal qual está desenhada hoje, está terminando? Qual será o novo papel das instituições financeiras?
O mercado se transformou por conta de mudanças regulatórias que passaram a exigir mais capital dos bancos, e da política monetária nas economias avançadas. Isso passou a influenciar toda a curva de juros. Há dez anos, já era evidente que os bancos iam se tornar, cada vez mais, prestadores de serviços. Hoje, a experiência e disciplina do gestor são diferenciais muito positivos.
O que acha do futuro das fintecs?
O sistema bancário brasileiro tem sido pioneiro nas novas tecnologias. As fintecs são parte desse movimento. Elas complementam o progresso dos bancos, sendo uma inovação salutar e onde está havendo muito aprendizado.
Qual o futuro das gestoras que trabalham com agentes autônomos? O que você acha que tem que mudar no sistema financeiro tradicional?
Alguns bancos já oferecem, na suas plataformas de investimentos, fundos de vários provedores, inclusive o Safra faz isso há muitos anos. Recentemente, foi lançada a Safra Invest, plataforma do banco agregando agentes autônomos. Por meio dela, o banco seleciona e credencia empresas estruturadas e sérias para atuar em seu nome. Isso amplia as possibilidades para investidores. O cliente quer, além da diversificação de produtos, confiança e profissionalismo. Especialmente em tempos de incerteza econômica.
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