Cumprimento de sentenças.
Agência Gov | Via Agu - 31/07/2025 09:11:53 | Foto: Divulgação/AGU
AGU se antecipa a novas condenações enquanto cumpre sentenças da Corte Internacional de Direitos Humanos.
Os casos de anistiados políticos não são os únicos envolvendo violações de direitos humanos em que a Advocacia-Geral da União (AGU) tem atuado para resolver conflitos de forma consensual. Atentados aos direitos de quilombolas, indígenas e trabalhadores rurais também estão na mira da advocacia pública, com desfechos que vão desde pedidos de desculpas em nome do Estado brasileiro até a assinatura de acordos que encerram conflitos históricos.
A busca pela consensualidade, como um valor transversal, é uma das marcas da atual gestão da AGU. No caso dos direitos humanos, a preferência pelos acordos em vez dos litígios se reforça por outra mudança de paradigma: a política de reconhecimento de responsabilidade do Estado brasileiro frente a ações ou omissões que representaram graves violações a pessoas ou grupos sociais.
“Como advocacia pública, é o nosso papel estar a serviço da democracia, das políticas públicas e, portanto, pensar nas pessoas e na Justiça que tem que ser feita”, defende a procuradora-geral da União, Clarice Calixto.
A virada de postura da AGU em relação aos direitos humanos tem reflexos na participação do País em organismos internacionais. Um dos marcos da nova diretriz foi a participação do ministro da AGU, Jorge Messias, em audiência pública na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), em Santiago, Chile, em 2023. Na ocasião, o AGU reconheceu oficialmente e pediu desculpas, em nome do Estado brasileiro, pela violação dos direitos de propriedade e de proteção jurídica das comunidades quilombolas de Alcântara (MA) .
Aquele foi o primeiro passo para se chegar a medidas reparatórias de um conflito que se iniciou nos anos 1980 e que era analisado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) desde 2001. Em setembro de 2024, com mediação liderada pela AGU, a União chegou a acordo com as comunidades de Alcântara para efetivar a titulação de mais de 78 mil hectares em território quilombola. A conciliação foi elogiada pela CIDH.
Cumprimento de sentenças
O caso de Alcântara foi a penúltima das 18 condenações do Brasil naquela Corte. Destas, apenas duas foram arquivadas: os casos Escher, em 2012, e Damião Ximenes Lopes , em 2023, já na atual gestão. O arquivamento significa que todos as medidas determinadas pelo tribunal foram efetivamente resolvidas. Os demais processos estão em fase de supervisão de cumprimento das sentenças, as quais tem sido respondidas pelo Estado brasileiro.
Durante audiências na Corte IDH em fevereiro do ano passado, por exemplo, a AGU reconheceu que o Estado violou direitos e garantias na condução do processo penal relativo ao homicídio de Manoel Luiz da Silva, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 1997, na Paraíba. O trabalhador foi assassinado por capangas de uma fazenda vizinha do acampamento em que vivia. O reconhecimento público da morosidade da Justiça na ação penal foi acompanhado de pedido de desculpas formais aos familiares da vítima.
Esse caso foi a última condenação do País no tribunal, em 27 de novembro de 2024. Houve reconhecimento de insuficiência de investigação e pedido de desculpas também nos casos do desaparecimento, em 2002, do trabalhador rural Almir Muniz da Silva , na Paraíba, e de atos racistas contra Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira. A discriminação racial contra as mulheres ocorreu quando se candidataram a vagas de pesquisadoras em uma companhia de seguros médicos em São Paulo, em 1998.
No processo do assassinato do advogado Gabriel Sales Pimenta , em 1982, em Marabá (PA), o Estado brasileiro realizou um ato público de admissão de responsabilidade pela impunidade dos criminosos e pedido formal de desculpas à família, em julho de 2024. A cerimônia foi uma das ações de reparação determinadas pela Corte IDH. Outras medidas são o pagamento de indenizações aos familiares e a criação do Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta, que visa propor políticas de proteção para defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas. Pimenta era advogado do sindicato dos trabalhadores rurais da cidade.
Outros avanços em cumprimento de sentenças da Corte IDH podem ser constatados nos casos Antônio Tavares , trabalhador rural morto pela Polícia Militar (PM) do Paraná, durante marcha do MST, em 2000, e dos trabalhadores da fábrica de fogos de artifício de Santo Antônio de Jesus (BA).
Quanto ao caso Tavares, o ato público de reconhecimento pelas violações está sendo organizado pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC). Já no caso dos trabalhadores da fábrica, a AGU promoveu um mutirão para que as vítimas e familiares da explosão ocorrida em 1998 aderissem aos acordos individuais para o pagamento das indenizações.
Também estão em fase de cumprimento de sentença os já citados casos de Alcântara e de Vladimir Herzog . O advogado da União Tonny Teixeira, da Procuradoria Nacional da União de Assuntos Internacionais (PNAI), explica que, apesar dos avanços substanciais, esses são processos de difícil arquivamento, devido às medidas estruturais determinadas pelas sentenças.
No caso de Herzog, por exemplo, um dos entraves é a Lei da Anistia, que não permite a responsabilização dos agentes do Estado que perpetraram crimes contra a humanidade durante a ditadura militar. O mesmo ocorre no caso Gomes Lund, que, a partir da repressão à guerrilha do Araguaia, trata de desaparecidos políticos pelo regime.
Já nos processos de violência policial – Honorato (assassinato de 12 pessoas pela PM de São Paulo, em 2002); Leite de Souza (desaparecimento de 11 jovens negros da favela de Acari, pela PM do Rio de Janeiro, em 1990); e Favela Nova Brasília (homicídio de 26 pessoas e violência sexual contra três mulheres pela PM do Rio de Janeiro, entre 1994 e 1995) –, o arquivamento esbarra nas medidas para reformar as corporações, que estão sob responsabilidade dos estados.
Antecipações e acordos
A procuradora-geral da União, Clarice Calixto, explica que a atuação da AGU no Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) não se resume às eventuais decisões da Corte CIDH que devem ser cumpridas pelo Estado brasileiro. Ao contrário, a AGU tem trabalhado em uma “linha de consensualidade, para dar respostas prévias e resolutivas” aos casos em discussão no SIDH, antes das possíveis condenações ou mesmo do envio dos processos para a Corte IDH.
O SIDH é ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA) e composto pela CIDH e pela Corte IDH. Os casos de violações chegam ao sistema após se esgotarem os recursos no país de origem. Após ser peticionado, a comissão avalia a situação e pode produzir um relatório recomendando o encaminhamento para julgamento na Corte. Da petição até uma eventual condenação, é comum que o intervalo de tempo seja de 20 anos.
O advogado da União Tonny Teixeira conta que a AGU criou uma unidade específica para a redução de litigiosidade buscando se antecipar e oferecer respostas prévias nesses processos. “A ideia é fazer acordos para evitar que o caso chegue à fase de relatório da CIDH, antes de ir para frente na Corte”, explica.
Aí se enquadram tanto casos que chegaram ao SIDH quanto aqueles que estão restritos à jurisdição nacional. Em dezembro de 2024, por exemplo, a AGU firmou acordo com o Ministério Público Federal (MPF) para formalizar pedido de desculpas aos familiares de desaparecidos pelo regime militar e pela negligência, entre 1990 e 2014, na condução dos trabalhos de identificação das ossadas encontradas na Vala Clandestina de Perus, localizada no Cemitério Dom Bosco, em São Paulo (SP).
Além disso, o governo federal se comprometeu a prosseguir com os trabalhos de identificação dos remanescentes da Vala de Perus. O caso havia sido peticionado na CIDH em 2009 e, dez anos depois, foi publicado relatório de admissibilidade.
Já em março deste ano, a AGU, por meio da Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF), teve papel central na construção de acordo que destinou R$ 240 milhões para povos Avá-Guarani, do oeste do Paraná. Apesar de o conflito remeter aos anos 1980, ainda não tramitava no SIDH. Além da AGU, a conciliação envolveu o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Itaipu Binacional, Fundação Nacional do Índio (Funai) e Ministério de Povos Indígenas.
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