Museu do Recôncavo reabre na Bahia com reflexão sobre passado escravocrata do país

Com as portas fechadas há 25 anos, o museu fica na sede do antigo Engenho Freguesia

Museu do Recôncavo reabre na Bahia com reflexão sobre passado escravocrata do país
Museu do Recôncavo reabre na Bahia com reflexão sobre passado escravocrata do país

João Pedro Pitombo, Candeias, Ba (folhapress) - 01/12/2025 09:13:02 | Foto: Perspectiva do Museu do Recôncavo Wanderley Pinho - Bahia.gov

Quem vem pelo mar vê o casarão imponente nas margens da Enseada de Caboto, na baía de Todos-os-Santos, símbolo de da opulência colonial que se construiu em cima da exploração e de contradições.

Por terra, o ziguezague das vias cercadas por uma vegetação rasteira remonta aos antigos canaviais, base da produção de riqueza de um Brasil que tinha o Nordeste como centro político e econômico.

Instalado em um casarão colonial com 55 cômodos, o Museu do Recôncavo Wanderley Pinho, em Candeias, a 50 quilômetros de Salvador, será reaberto até dezembro com a proposta de debater o passado escravocrata do país e a meta de se tornar um dos principais equipamentos culturais da Bahia.

Com as portas fechadas há 25 anos, o museu fica na sede do antigo Engenho Freguesia, um dos primeiros engenhos de produção de açúcar do Brasil, criado no século 16. O conjunto arquitetônico é do século 18 e inclui a antiga Casa Grande e a capela de Nossa Senhora da Piedade.

"Será museu que contará a história da escravidão de indígenas e negros no Recôncavo baiano a partir da ótica dos escravizados", afirma Bruno Monteiro, secretário de Cultura da Bahia.

A história do Engenho Freguesia se confunde com a do próprio Recôncavo, região com 33 municípios no entorno da baía de Todos-os-Santos que possui forte influência das culturas indígena e afro-brasileira.

O engenho foi erguido no século 16 em uma sesmaria cedida a Sebastião Álvares após uma guerra contra indígenas tupinambás. Foi incendiado durante a invasão holandesa, depois foi recuperado e viveu seu auge no século 19.

A produção de açúcar foi encerrada em 1899, mas o conjunto arquitetônico foi tombado em 1944. O casarão foi transformado em um museu em 1971, mas estava fechado desde 2000 por problemas estruturais.

A restauração do complexo foi iniciada em 2018 e custou R$ 42 milhões em recursos do Prodetur, o Programa Regional de Desenvolvimento do Turismo. Além da recuperação das edificações históricas, foi construído um píer para permitir o acesso dos visitantes pelo mar.

Com a conclusão das obras em 2022, o passo seguinte foi definir a concepção artística do museu, aproveitando seu acervo, que continha 260 peças e achados arqueológicos ligados ao ciclo do açúcar.

A exposição permanente é dividida em cinco núcleos, cuja visita guiada segue uma ordem específica. O primeiro é o histórico, que apresenta uma linha desde o Brasil colonial, destacando marcos no Recôncavo baiano.

O segundo espaço é dedicado aos povos originários e reúne fotografias, vídeos e intervenções artísticas, com destaque para os tupinambás que ocupavam aquela região antes da dominação portuguesa.

Na sequência, o visitante poderá conferir o núcleo dos povos escravizados, que exibe documentos e manuscritos digitalizados do poeta Castro Alves, incluindo trecho do poema Navio Negreiro, de 1868.

O núcleo doméstico apresenta mobiliários, retratos e pinturas do período colônia. Eles são apresentados não como uma representação de uma antiga Casa Grande, mas estão dispostos por tipos de materiais. "A gente não queria mostrar a casa do colonizador, do dono do engenho, mas destacar o trabalho feito pelas pessoas naquela casa, como os marceneiros e carpinteiros", afirma Daniela Steele, coordenadora do museu.

A cozinha do antigo casarão, sem janelas e com um conjunto de fornos a lenha, reflete a vivência dos escravizados que ali trabalhavam.

Por fim, a exposição tem um núcleo da memória que apresenta objetos de suplício e tortura, dispostos em estruturas de madeira no chão. Os equipamentos formam a chamada sala do silêncio e são um convite à reflexão.

O percurso completo de visitação pode durar de duas a três horas. Além da exposição permanente, o casarão também terá um espaço destinado a mostras de arte temporárias sob gestão do Ipac, o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia.

A reabertura vai abrigar a exposição "Encruzilhadas", com obras com temáticas da cultura afro-baiana de 40 artistas, incluindo nomes como Mestre Didi, Emanoel Araújo, Pierre Verger, Rubem Valentim, Juarez Paraíso e Arlete Soares.

As obras fazem parte dos acervos do Museu de Arte Moderna da Bahia e do Solar Ferrão. Pela dificuldade logística de acesso, a ideia é que o espaço abrigue exposições temporárias mais longas.

O espaço também deve sediar residências artísticas, oficinas e atividades com moradores da região, que abriga famílias quilombolas, pescadores e marisqueiras de Caboto e da Ilha de Maré. A ideia é manter o equipamento próximo da dinâmica da comunidade local, diz Monteiro.

"É um espaço muito incorporado à cultura local. Por exemplo, o cemitério do Caboto fica anexo numa área vizinha ao museu. Os cortejos fúnebres da comunidade passam pelo museu. Por isso é uma costura sempre delicada."

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