STF decide por 4 a 0 manter prisão de Bolsonaro
Arthur Guimarães De Oliveira E Marina Pinhoni, São Paulo, Sp (folhapress) - 24/11/2025 16:36:46 | Foto: © MARCELLO CASAL JR/ AGÊNCIA BRASIL
ANDRÉ FLEURY MORAES, SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A tornozeleira eletrônica que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentou romper possui um sistema interno que envia dados em tempo real sobre a pessoa monitorada a uma central de vigilância.
O sinal é criptografado, e eventuais violações constatadas são alertadas à unidade de monitoramento em questão de segundos. O aparelho possui também alarme próprio, que apita ou vibra em caso de problemas do gênero.
A violação da tornozeleira eletrônica foi um dos fatores para a decretação da prisão preventiva de Bolsonaro. Ele admitiu que tentou romper o equipamento usando ferro de solda –neste domingo (23), buscou atribuir sua conduta a medicamentos que tomou.
Há diferentes modelos de tornozeleira, e equipamentos mais modernos combinam hoje sinal de GPS com tecnologias 4G ou 5G que garantem o compartilhamento de dados via internet às centrais de vigilância.
Editais de compra de tornozeleira de governos estaduais preveem duas ou mais operadoras de telefonia para evitar problemas de sinal, e a pessoa vigiada não pode ter acesso ao sistema interno do equipamento.
Caso o GPS não funcione há alternativas para buscar a localização do vigiado, entre as quais a triangulação de sinais de Estações Rádio Base –processo que busca a localização aproximada a partir do cruzamento de dados das torres que receberam os últimos sinais do aparelho.
O alerta de violação não se dá apenas em caso de intervenção física sobre o aparelho. A central de monitoramento também é informada quando uma pessoa vigiada deixa o perímetro dentro do qual está autorizada a circular.
Se uma pessoa obtém progressão de regime mas não pode deixar a comarca, por exemplo, quaisquer passos fora do perímetro delimitado são acusados tanto a quem usa o aparelho como à central que o monitora.
Via de regra não é uma tecnologia pesada: as tornozeleiras costumam ter no máximo 200 gramas com baterias que duram de 24 horas a 48 horas, a depender do modelo. O tempo para carregar o instrumento varia, mas em geral não passa de três horas.
A cinta de fixação tem de ser projetada de forma a apontar qualquer rompimento ou violação depois de travadas. Não há uma tecnologia única para isso, mas há modelos que utilizam fibras óticas, por exemplo.
Por fora, o material que prende o equipamento à perna do vigiado deve atender a determinados critérios, entre os quais ser hipoalérgico e garantir resistência a variações de temperatura.
As tornozeleiras são também resistentes a água e, submersas, podem chegar à profundidade de até três metros.
Presente no exterior desde o final do século 20, o uso do equipamento passou a ser discutido no Brasil em 2001, mas os primeiros testes vieram apenas em 2007.
Foi o presidente Lula (PT) quem sancionou alterações no Código Penal que passaram a prever o monitoramento eletrônico. Isso ocorreu em 2010, no segundo mandato do petista.
A norma permite a tornozeleira a presos nos regimes semiaberto ou domiciliar.
A autorização para a tornozeleira, porém, pode ser revogada se constatadas violações ao equipamento ou às condições de uso impostas ao vigiado.
Quatro consequências estão previstas neste caso: advertência, regressão de regime, revogação da autorização pela saída temporária ou revogação da prisão domiciliar.
Foi o que ocorrreu com Jair Bolsonaro, preso preventivamente por ordem ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), neste sábado (22).
Na madrugada, o ex-presidente havia tentando romper a sua tornozeleira eletrônica com ferro de solda, como ele mesmo admitiu a agentes penitenciários.
"Usei ferro quente, ferro quente aí... curiosidade." Ferro de solda é uma ferramenta pontiaguda que atinge alta temperatura e permite derreter metais.
O ex-presidente estava em regime domiciliar desde 4 de agosto e foi levado pela PF após a decretação da prisão preventiva.
Ao determinar a prisão, Moraes citou a violação da tornozeleira eletrônica no início da madrugada, o risco de fuga dele para a embaixada dos EUA e uma vigília convocada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente.
Conduta de Bolsonaro com tornozeleira eletrônica dificulta prisão domiciliar futura
Os sucessivos descumprimentos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) das medidas cautelares impostas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) dificultam que a pena no processo da trama golpista seja cumprida em prisão domiciliar no futuro, segundo especialistas.
Bolsonaro aguardava a conclusão do caso da trama golpista com previsão de ir ao regime fechado, mas com expectativa de obter uma prisão domiciliar por questões de saúde, como ocorreu com o ex-presidente Fernando Collor, condenado em 2023 pelo Supremo.
Às vésperas da conclusão do processo, no entanto, Bolsonaro tentou abrir a tornozeleira eletrônica com um ferro de solda, conforme relatou a uma agente. Embora não inviabilize a possibilidade de uma prisão domiciliar no futuro, a conduta pode ser um obstáculo.
Há dois meses, integrantes do centrão chegaram a fechar um acordo de forma sigilosa com uma ala de ministros do Supremo que envolvia a possibilidade de o ex-presidente cumprir pena pelo caso da trama golpista em regime domiciliar como alternativa à anistia.
Para o advogado Pierpaolo Bottini, professor de direito penal da USP, a notícia da tentativa de violação da tornozeleira pode dificultar esse plano. Não é possível descartar a medida, mas o convencimento do juiz para adotá-la se torna mais difícil.
"Em regra, o que fiscaliza o cumprimento da domiciliar é justamente esse dispositivo. Na medida em que se tem um indício de que houve uma tentativa de clara de violá-lo, isso prejudica a confiança de que a pessoa não vai sair de casa", afirma.
Ao passar por audiência de custódia neste domingo (23) na superintendência da Polícia Federal em Brasília, o ex-presidente disse que tentou abrir a tornozeleira porque teve uma "certa paranoia" devido ao uso de medicamentos e que só "caiu na razão" à meia-noite.
A professora de direito constitucional Damares Medina diz que a declaração de Bolsonaro de que não teve a intenção de fugir ao violar o equipamento até pode ser usada pela defesa como atenuante, mas dificilmente conseguirá reverter o cumprimento da pena em regime fechado.
"É muito difícil que, nesse cenário, de um réu que tem reiteradamente descumprido as medidas cautelares, venha ser concedido esse privilégio de prisão domiciliar novamente após o trânsito em julgado [do processo da trama golpista]", afirma.
A prisão domiciliar de Bolsonaro foi decretada em 4 de agosto após descumprimento de medidas em outra investigação, por coação, obstrução de justiça e atentado à soberania nacional. Proibido de usar as redes sociais, o ex-presidente participou por videochamada de ato.
Mesmo com vídeo e documento do STF mostrando as avarias no dispositivo, o advogado de Bolsonaro Paulo Cunha Bueno não explicou a violação à tornozeleira e disse que a informação estava sendo usada como narrativa para "justificar o injustificável".
O criminalista Renato Vieira, doutor em direito processual penal pela USP, diz que a tentativa de violação da tornozeleira não impede a concessão da prisão domiciliar no futuro, quando o ex-presidente já estiver cumprindo pena definitiva, mas pode ser um dificultador.
"Quando ele estiver no regime de cumprimento de pena, será um outro momento", diz ele. "Uma decisão dada num provimento cautelar não necessariamente inviabiliza a reapreciação do quadro a depender de uma situação de prisão para cumprimento de pena."
Por outro lado, o contexto pode ser levado em conta pelo ministro Alexandre de Moraes ou pelo magistrado para quem o Supremo delegar o cumprimento da execução penal no momento de analisar os requisitos da prisão domiciliar.
A Lei de Execução Penal prevê prisão domiciliar para (i) condenado maior de 70 anos; (ii) pessoa acometida de doença grave; (iii) mãe com filho menor ou com deficiência física ou mental; e (iv) gestante -mas apenas para quem cumpre pena em regime aberto.
Aliados do ex-presidente apostam na possibilidade de uma prisão domiciliar humanitária, nos moldes do caso Collor. Em situações de idade avançada e comorbidades graves, há precedentes que autorizam a medida em caráter excepcional.
Para o professor de direito penal Thiago Bottino, uma eventual piora no estado de saúde de Bolsonaro é vista como única justificativa para um possível cumprimento da pena pela condenação no processo da trama golpista em prisão domiciliar.
"Se as condições de saúde se agravarem de tal forma que não houver opção de manter no presídio, o juiz acabará fazendo essa transferência para a prisão domiciliar, para garantir que a pessoa não morra. Mas fora dessa hipótese, por nenhum outro critério faria sentido hoje", diz.
Nessa hipótese, segundo o professor da FGV Direito Rio, ainda haverá necessidade de maior gasto público com escoltas para garantir a segurança do ex-presidente, o que também deverá ser levado em conta pelo Judiciário na decisão.
A professora de direito constitucional Damares Medina, por sua vez, aponta como alternativa a hipótese do cumprimento da prisão em uma unidade hospitalar, com a possibilidade de que os custos sejam arcados pela própria família.
STF decide por 4 a 0 manter prisão de Bolsonaro
JOSÉ MARQUES, BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu na manhã desta segunda-feira (24) referendar a decisão do ministro Alexandre de Moraes que determinou a prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Moraes, relator do caso, reafirmou a sua decisão de prender Bolsonaro e defendeu que os demais ministros da turma validassem a medida. Em seguida, Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia seguiram o relator em seus votos.
Os ministros do colegiado se manifestaram sobre a medida judicial em sessão que começou às 8h e com previsão de conclusão às 20h no plenário virtual -sistema no qual os magistrados votam sem a realização de debates. A Primeira Turma do STF está temporariamente com apenas quatro ministros, desde que Luiz Fux migrou para a Segunda Turma.
"Não há dúvidas sobre a necessidade da conversão da prisão domiciliar em prisão preventiva, em virtude da necessidade da garantia da ordem pública, para assegurar a aplicação da lei penal e do desrespeito às medidas cautelares anteriormente aplicadas", disse Moraes. "Jair Messias Bolsonaro é reiterante no descumprimento das diversas medidas cautelares impostas" completou.
Bolsonaro, afirma Moraes, descumpriu em julho e agosto medidas cautelares de utilização de redes sociais. "Em decisão de 4.ago.2025, em face do reiterado descumprimento das medidas cautelares impostas anteriormente, decretei a prisão domiciliar de Jair Messias Bolsonaro, ressaltando expressamente que o descumprimento de suas regras ou de qualquer uma das medidas cautelares implicaria na sua revogação e na decretação imediata da prisão preventiva."
À época da prisão domiciliar, Moraes afirmou que o ex-presidente descumpriu determinação ao aparecer em vídeos exibidos por apoiadores durante manifestações. Bolsonaro estava proibido de usar redes sociais, mesmo que por intermédio de outras pessoas.
"A continuidade no desrespeito às medidas cautelares, entretanto, não cessou. Pelo contrário, ampliou-se na última sexta-feira, dia 21.nov, quando Jair Messias Bolsonaro violou dolosa e conscientemente o equipamento de monitoramento eletrônico."
O ministro afirmou que o ex-presidente admitiu que violou a tornozeleira tanto ao ser abordado por equipes da Seape-DF (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal), na madrugada do sábado (22), quanto na audiência de custódia, neste domingo (23).
Ao votar com Moraes, Dino citou as idas de deputados bolsonaristas para os Estados Unidos, como Alexandre Ramagem (PL-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente.
"As fugas para outros países de deputados federais perpetradores de crimes similares e conexos, com uso de ardis diversos, demonstram a ambiência vulneradora da ordem pública em que atua a organização criminosa chefiada pelo condenado, compondo um quadro que, lamentavelmente, guarda coerência com o conjunto de ilegalidades já reprovadas pelo Poder Judiciário", disse o ministro.
"As fugas citadas mostram profunda deslealdade com as instituições pátrias, compondo um deplorável ecossistema criminoso."
Ele também citou riscos à ordem pública na vigília convocada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) em frente ao condomínio onde Bolsonaro estava em prisão domiciliar.
Dino afirmou que a região onde fica a casa, o bairro Jardim Botânico, é densamente povoada e que o evento "configuraria risco evidente à ordem pública, expondo moradores e propriedades privadas a potenciais danos e situações de perigo iminente".
"Pertinente lembrar que entre os moradores em risco estariam inclusive idosos e crianças, o que sublinha a insuportável ameaça em curso", disse.
Bolsonaro foi preso pela Polícia Federal na manhã do sábado e levado para a sede regional da corporação em Brasília.
Ao determinar a prisão no sábado, Moraes citou a violação da tornozeleira eletrônica no início da madrugada, o risco de fuga dele para a embaixada dos EUA e uma vigília em frente ao condomínio onde o ex-presidente mora convocada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), seu filho mais velho.
Na madrugada daquele dia, Bolsonaro tentou violar a tornozeleira eletrônica com ferro de solda, como ele mesmo admitiu a agentes penitenciários.
"Usei ferro quente, ferro quente aí curiosidade", disse o ex-presidente a uma servidora da Secretaria de Administração Penitenciária do DF que foi ao local verificar a situação do dispositivo. Ferro de solda é uma ferramenta pontiaguda que atinge alta temperatura e permite derreter metais.
A equipe médica que acompanha Bolsonaro esteve na Superintendência da PF no DF na manhã deste domingo e, após examiná-lo, falou em um quadro de "confusão mental e alucinações" para descrever o episódio sobre a tornozeleira eletrônica e atribuiu isso à interação medicamentosa.
Pouco depois, ao passar por audiência de custódia, o ex-presidente disse que tentou abrir o dispositivo porque teve uma "certa paranoia" devido ao uso de medicamentos e que só depois "caiu na razão".
Após a audiência, que durou cerca de 30 minutos, a juíza auxiliar Luciana Sorrentino, lotada no gabinete de Moraes, validou e manteve a prisão preventiva de Bolsonaro.
A defesa, então, pediu a Moraes que revogue a prisão preventiva do ex-presidente sob o argumento de não haver risco de fuga. "Inexiste risco de fuga", afirmou.
Os advogados alegaram que, a partir de informações do órgão do DF responsável pelas tornozeleiras eletrônicas e, em especial, da equipe médica que acompanha o ex-presidente sobre remédios ingeridos por ele, "é inequívoco que inexistiu qualquer tentativa de fuga ou de se furtar à aplicação da lei penal".
Os representantes de Bolsonaro querem também que Moraes se pronuncie sobre um pedido de prisão domiciliar humanitária para o momento em que for iniciada a execução penal da trama golpista, passo seguinte do processo após encerrada a possibilidade de novos recursos.
Moraes deixou de analisar esse pedido por considerá-lo prejudicado após determinar a prisão preventiva do ex-presidente no sábado. Esse recurso não está em discussão no julgamento desta segunda da Primeira Turma.
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