A direita, que tem a Iniciativa Liberal como um dos representantes, cresceu
Por Hélio Doyle - Portal Expresso 61 - 03/02/2022 10:28:39 | Foto: Reprodução Expresso 61
É desnecessário dizer e comprovar que há inúmeras diferenças entre Portugal e Brasil, em todos os campos, da geografia aos costumes. É desnecessário também repetir que a realidade de um país não pode ser transportada automaticamente para outro, pois sempre é preciso considerar características específicas de cada um. Quando se fala em sistemas político e eleitoral, as diferenças são muitas.
Nada disso, porém, impede que nós, brasileiros, possamos analisar o que aconteceu nas últimas eleições em Portugal e tirar conclusões que possam ser úteis para avaliarmos acertos e erros lá cometidos pelas diferentes forças políticas, especialmente de esquerda, e que podem cá se repetir. Quando tanto se fala, no Brasil, sobre federações e uniões partidárias, polarização eleitoral, candidatos de “centro”, alianças rejeitadas pela esquerda e ameaça fascista, vale a pena entender o que aconteceu em Portugal. Há semelhanças.
Alguns resultados significativos nas recentes eleições em Portugal
– A maioria absoluta socialista
A conquista pelo Partido Socialista (PS), de centro-esquerda, da maioria absoluta das cadeiras na Assembleia Nacional, o parlamento unicameral de Portugal, é o fato mais significativa dessa eleição. É a segunda vez, desde 1975, que isso acontece para o PS. Ter maioria absoluta significa não depender de alianças com outros partidos para aprovar o que interessa ao governo. A expressiva vitória dos socialistas, com 117 cadeiras em 230, podendo chegar a 121 com os votos dados por portugueses residentes no exterior, chamou ainda mais atenção porque, até poucos dias antes da eleição, várias pesquisas indicavam empate técnico com o Partido Social Democrata (PSD), de centro-direita, e se antevia que nenhum deles obteria maioria absoluta.
– A clara opção pelo “centro”
O segundo lugar obtido pelo PSD, partido tradicional na vida política portuguesa, não é relevante por si só, mas por indicar, sem que caibam dúvidas, que os eleitores portugueses optaram pelo voto no “centro” e, assim, pela estabilidade política, segurança econômica e rejeição às posições mais extremadas, à direita e à esquerda. O PS é o centro à esquerda, o PSD é o centro à direta. Aos 41,68% de votos e 117 deputados do PS, somam-se os 27,8% e 76 deputados do PSD, totalizando 69,48% dos votos e 193 deputados. Quando se imaginava que nenhum desses dois partidos conseguiria a maioria absoluta, especulava-se até a possibilidade de se unirem para governar o país pelo “centro”.
– A ascensão dos fascistas e dos ultraliberais
Dois partidos à direita que tinham apenas um deputado, cada, ganharam mais votos e mais cadeiras na Assembleia: o Chega e a Iniciativa Liberal (IL). São agora a terceira e a quarta bancadas. O Chega é a nova formação da extrema-direita em Portugal, com nítida postura fascista, racista e xenófoba. Tinha apenas um deputado e agora terá 12, graças aos 7,15% de votos obtidos. É pouco, mas é muito, considerando-se o risco que representa para as instituições democráticas portuguesas se continuar crescendo. A IL, que defende as teses do liberalismo exacerbado, obteve 4,98% dos votos e aumentou sua bancada de um para oito deputados.
– A queda da esquerda
Três partidos da esquerda da esquerda, como se diz em Portugal, sofreram as maiores derrotas de suas histórias. A Coligação Democrática Unitária (CDU), união do tradicional Partido Comunista Português (PCP) com o Partido Ecologista Os Verdes (PEV), teve apenas 4,39% dos votos e reduziu sua bancada de 12 para seis deputados, todos do PCP. Os Verdes perderam o único deputado que tinham. O Bloco de Esquerda (BE) caiu de 19 para cinco deputados, com apenas 4,46% dos votos. A derrota da esquerda atingiu também o ecológico Pessoas-Animais-Natureza (PAN), que tinha quatro a agora tem um deputado, com 1,53% dos votos.
– O “fim” do CDS-PP
O CDS-Partido Popular (CDS-PP), também tradicional partido da direita portuguesa, identificado com a democracia-cristã, junta-se aos cerca de 15 partidos que também estão fora do parlamento por não conseguirem eleger um só deputado. O partido tinha representação parlamentar desde as eleições de 1975, já foi a terceira força política no país e participou de vários governos. Agora, teve apenas 1,61% dos votos.
Acertos e erros
A vitória do PS reflete a avaliação positiva dos dois governos do primeiro-ministro António Costa e seu bom desempenho no combate à pandemia. Quando ficou em segundo lugar nas eleições em 2015, Costa conseguiu formar maioria na Assembleia com a CDU e o BE, a chamada “geringonça”, e assim a direita perdeu o poder que tinha desde 2011. Em 2019, vitorioso, mas sem maioria absoluta, o PS optou por fazer acordos pontuais no parlamento, contando com a CDU e o BE para aprovar suas propostas. Funcionou até a votação do orçamento para 2022.
Mas o PS venceu agora, sobretudo, porque a maioria dos portugueses quer estabilidade e teve receio da volta ao governo da direita que, entre 2011 e 2015, adotou fortes e impopulares medidas de austeridade fiscal impostas pela troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional), prejudicando trabalhadores e a população mais pobre.
Havia também grande receio de que, vencendo sem maioria absoluta, o PSD, ao buscar aliança com os demais partidos à direita, incorporasse o fascista Chega ao governo. As pesquisas de opinião que poucos dias antes da eleição indicavam o risco de uma vitória do PSD e a ausência de maioria absoluta para o PS, o que o levaria a buscar uma comprovadamente insegura aliança com os partidos à sua esquerda ou mesmo com o PSD, criaram uma onda de “votos úteis” de última hora para os socialistas.
Isso explica, em parte, a derrota da CDU, do BE e do PAN, pois eleitores desses partidos optaram por abandoná-los e assegurar a vitória do PS. Em parte, apenas, porque a queda do PCP e do BE tem a ver com a postura sectária e irrealista que esses dois partidos assumiram ao não aprovar o orçamento proposto para 2022 do governo de Costa e assim dar o pretexto para que o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, dissolvesse a Assembleia e convocasse eleições antecipadas.
Embora como presidente da República não esteja filiado a partido, Marcelo é quadro histórico do PSD, tendo exercido a liderança do partido durante três anos e sido ministro de Estado em governos da direita. A convocação de eleições interessava ao PSD, para tentar ganhar o governo; e ao PS, para tentar obter o que conseguiu: a maioria absoluta que o livra de alianças.
Ao inviabilizar o governo de esquerda e levar a eleições em período de pandemia, queda de negócios e empobrecimento da população, o PCP e o BE mostraram desconhecer o sentimento da população e deram um tiro no pé. Passaram a ser responsabilizados pela instabilidade política e social e pelo risco que os eleitores à esquerda e satisfeitos com o governo de Costa viam na volta da direita ao poder. O PAN, que aprovou o orçamento proposto pelo PS, foi vítima do voto útil. O também ecológico e de esquerda Livre manteve o único deputado que já tinha, e até aumentou em 0,20% seu eleitorado.
Sem maioria absoluta, como era a situação na Assembleia dissolvida, o PS tinha de aceitar posições e medidas propostas pelo PCP, BE e Verdes, o que dava ao governo um viés mais à esquerda e mais voltado para a defesa dos trabalhadores, servidores públicos e desempregados. Agora, esses partidos, assim como o PAN e o Livre, são dispensáveis para o governo de Costa e terão de se reerguer.
Outro aspecto é que se a CDU e o BE tivessem se coligado para disputar as eleições, poderiam ter elegido, juntos, pelo menos 16 deputados, podendo chegar até a 20, em vez dos 11 que conseguiram. O Chega e o IL não teriam conseguido 20 deputados, mas cerca de 10. Essa é, porém, uma coligação improvável, dadas as divergências históricas não só na esquerda portuguesa, mas em todo o mundo.
Não há justificativa clara, porém, para não ter havido uma coligação entre o PSD, o CDS-PP e outros partidos de direita que não conseguiram eleger um só deputado. O IL provavelmente recusaria, em busca de afirmação, mas seria possível a reedição da Aliança Democrática, que funcionou de 1979 a 1982. A soma aritmética dos votos obtidos pelos partidos de direita, excetuando o Chega, não seria suficiente para derrotar os socialistas. Mas certamente a direita unida poderia ter feito uma campanha melhor e a sinalização de que não contava com os fascistas do Chega poderia ter lhe dado mais confiança nos eleitores e, provavelmente, votos.
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