O bebê na vida familiar deve aprender que ele também é ambivalente, que ele é bom e mal
Maria José Rocha Lima - 17/07/2023 11:06:06 | Foto: Maria José Rocha Lima
No canal Democracia na Teia, o filósofo Felipe Pondé entrevistou o filósofo Zeljko Loparic que é professor da Unicampi e destacado estudioso da obra de Donald Winnicott no Brasil, tendo relevantes contribuições em outros países, especialmente na China. Pondé pergunta a Loparic: O que Winnicott ensina de novo em relação à tradição freudiana? E curiosamente a discussão possibilitou algumas importantes reflexões sobre as práticas de intolerâncias; de polarizações excessivas, nos discursos políticos; nas tentativas de aniquilamento moral constatadas nas Redes Sociais, que nem Freud explica, mas o Pediatra e Psicanalista Infantil Winnicott pode explicar. O professor Loparic afirma que o pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott concebia que as relações sociais começam no colo da mãe. Para Loparic, o pediatra chegou a essa conclusão, porque se interessava pela psicologia do bebê. Ele afirmava que o bebê tem uma psicologia. E que Winnicott tinha como uma grande questão o porquê do adoecimento dos bebês nos primeiros dias de vida. Procurou resposta na psicologia acadêmica da época e nada encontrou. Buscou nos estudos de Freud, alguma elaboração que pudesse explicar o adoecimento dos bebês nos primeiros dias de vida, mas lá só encontrou a criança e os seus problemas sexuais. Ou seja, Freud estudava a criança a partir da construção do narcisismo primário; da construção do ego; das relações edípicas. E Winnicott, como pediatra, precisava de ajuda para entender o bebê que adoecia nos primeiros dias de vida: aquele bebê que não conseguia dormir; o bebê que ficava nervoso; que apresentava eczemas na pele; que chorava demais. E assim, começou a se dar conta de que a etiologia desses distúrbios pediátricos; distúrbios psicológicos; das patologias do bebê eram resultantes das relações entre bebês e suas mães. Mãe aqui, entendida como uma pessoa humana, não uma pessoa humana como objeto, segundo a psicanálise, mas a mãe/colo. Para Winnicott, no começo da vida, tudo o que o bebê precisa é de uma mãe capaz de mantê-lo na ilusão de serem ambos uma só pessoa, para pouco a pouco se diferenciarem em mãe e filho. O bebê nasce desintegrado, precisando de acolhimento, proteção, sustento físico e psíquico. A falta do colo, dos braços, do olhar da mãe faz muito mal, gerando sensação de despedaçamento; sensação de estar caindo, etc. É a mãe que integra o bebê. E é nesse esforço de entender a psicologia do bebê, que Winnicott descobre que o adoecimento do bebê era um fenômeno relacional, estava na relação mãe - bebê. Para ele, essas patologias são decorrentes das “falhas ambientais”. Por exemplo a mãe que não olha para o seu bebê, que amamenta o bebê olhando para a televisão; para a internet; respondendo emails. E há casos de falhas muito mais graves que pode ter como consequência diferentes quadros psicopatológicos. Ao falar de ambiente, nesta teoria, estaremos incluindo tanto o ambiente físico quanto os aspectos emocionais necessários ao desenvolvimento do bebê, representados por uma “mãe suficientemente boa.” Depois dessa fase de integração precisamos da mãe que cumpre a função de personificação trocando a frauda; expondo o bebê à luz; fazendo-lhe experimentar a audição das vozes das pessoas; tocando em cada uma das partes do corpo do bebê, permitindo a formação pelo bebê da sua imagem corporal, etc. Todas essas experiências sensoriais são importantes para formação da personificação. Também é fundamental que a mãe apresente os objetos ao bebê, sendo o seio, o primeiro deles e objeto de satisfação que permite ao bebê o exercício da onipotência da ilusão de tê-lo criado. E ainda, é o começo da formação das relações pessoais. Assim, o pediatra inglês descobre uma psicologia que é pré- edipiana. Na verdade, isso não pareceu a Loparic uma ruptura com a meta psicologia freudiana, mas Winnicott observou uma psicologia, como sugeriu Felipe Pondé, ainda mais primeva, mais originária do que a de Freud. Freud havia publicado Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade e Outros Textos, que abordava o ser humano a partir do narcisismo primário até a constituição do ego, instância psíquica capaz de administrar a sexualidade com as suas relações triangulares: bebê-mãe-pai. Já Winnicott não tratou de relações triangulares, mas da dualidade mãe - bebê. Nesta teoria é dada ênfase ao meio ambiente; à maternagem; à relação mãe/bebê, como essencial no desenvolvimento e amadurecimento saudável do ser humano. Ainda o professor Loparic ressalta que Winnicott tomou de Freud a abordagem das relações humanas, mas dizia ele: “que para o bebê não se trata de sexo, mas é de nascer; de começar a existir; de continuidade da vida; de desenvolver uma relação de confiança”. Ele está no colo da mãe para existir; ele precisa deste ambiente para existir; para continuar existindo como alguém; para existir como uma unidade pessoal; como alguém que precisa se relacionar com o ambiente e com o mundo a sua volta; entrar no mundo familiar; e dentro da família ser alguém positivo, ativo; criativo; e ainda dentro da família começar a desenvolver, capacidades e habilidade para se relacionar com ou outros e com a sociedade.
Ai, Winnicott se afasta não da meta - psicologia freudiana, mas do modelo de saúde mental do bebê. Winnicott dizia “para o meu bebê o que conta é a relação do bebê no colo da sua mãe. A questão é de saúde”, sublinhou Loparic. Quem nunca presenciou o gesto sublime de um bebê devolvendo à sua mãe o seio ofertado, pondo o dedinho na boca da sua mamãe? Trata-se do desenvolvimento de uma relação de mutualidade, troca mútua. Essa relação mãe – bebê se não for saudável, ou seja, se a mãe não for suficientemente boa teremos crianças submissas: que acatam os comandos da mãe, que não exercitam a sua criatividade; ou crianças que abstraem completamente o ambiente externo, se voltando para si, passando a se relacionar apenas com as suas fantasias interiores, podendo psicotizar. Desses cuidados iniciais dos bebês dependem as suas sua capacidades de se concentrar; e de deslocar a sua atenção; de administrar os sentimentos; controlar os impulsos; seguir regras e orientações; de se adaptar a uma série de demandas, mas principalmente confiar no ambiente, em si, no outro e até ter fé em Deus. Então a democracia se assenta nas capacidades adquiridas no colo da mãe e na relação com a família. A democracia no fundo depende das aquisições do bebê humano no colo da mãe, na família e na escola. Loparic diz que democracia para ele não é uma questão abstrata. Uma pessoa realmente sadia se insere no ambiente social depois de passar pelo colo da mãe; da família; da escola com as aquisições necessárias ao convívio social. Loparic também chama-nos a atenção para uma aprendizagem muito necessária que o bebê realiza na relação com a mãe para as relações futuras: amor e ódio. O bebê humano precisa aprender a lidar com essa mãe que ele adora, que ele usa, mas ele da conta que está tomando o leite dela; tomando o tempo; que nem sempre ela está a sua disposição; ele aprende que nem sempre a mãe é o que ele quer, assim aprende a ser tolerante; ele ama e odeia a mãe, tendo que vivenciar às vezes os seus impulsos destrutivos. O amor faz com que a gente incorpore pela admiração, pela identificação os valores, o jeito de ser do outro. Na família, o bebê vai encontrar o irmão bom e tolerar o irmão chato. Enfim administrar relações ambivalentes e de tolerância. O bebê na vida familiar deve aprender que ele também é ambivalente, que ele é bom e mal. Ele deve suportar a sua própria ambivalência.
Observa - se que o bebê aprende a reciprocidade, a mutualidade. Quem nunca observou o gesto sublime de um bebê colocando o dedinho na boca da sua mãe, como se estivesse devolvendo algo que a mãe está lhe ofertando, com o seio? Perguntado por Felipe Pondé sobre se democracia para o winnicottiano é uma questão de saúde psíquica? Polarização é inevitável, mas o que não é saudável é quando ela é excludente, quando a polarização significa a não comunicação; a impossibilidade de viver junto. Ele diz que numa situação de conflito social uma pessoa saudável vai se colocar de um lado ou do outro, sem que isso signifique a exclusão do outro lado; a satanização; o aniquilamento do outro ou do grupo social. Maturidade é sinônimo de saúde, uma pessoa saudável é matura, mas no sentido que estamos falando agora significa capacidade de tolerar o amor e ódio com outra pessoa ou com outro grupo social.
1 Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. Fundadora da Casa da Educação Anísio Teixeira e Psicanalista com formação na Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise.
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