Por Marcelo Copelli: O cerco da indiferença: a infância morre de fome em Gaza 

As mortes por fome em Gaza não são tragédias inevitáveis.

Por Marcelo Copelli: O cerco da indiferença: a infância morre de fome em Gaza 
Por Marcelo Copelli: O cerco da indiferença: a infância morre de fome em Gaza 

Por marcelo Copelli - Edição 1350 - Observatório Da Imprensa - 12/08/2025 18:30:38 | Foto: Osama Nase/Pexels / Edição 1350 / Observatório da Imprensa

Na Faixa de Gaza, desenrola-se diante dos olhos do mundo — cúmplice em sua inércia — um capítulo brutal da história humana. Crianças, muitas ainda no colo de suas mães, estão morrendo por inanição. Não por falta de recursos no planeta, mas por uma decisão política deliberada: impedir a chegada de alimentos, fórmulas infantis e insumos básicos. A fome virou arma, e a infância, alvo.

Desde o início da ofensiva israelense, o bloqueio absoluto à entrada de bens essenciais transformou Gaza em uma prisão a céu aberto, onde a escassez é regra e o sofrimento, cotidiano. O colapso é planejado. Nos hospitais, cada vez mais precários, cresce o número de crianças com desnutrição severa. E, com elas, aumenta o número de mortes que poderiam — e deveriam — ter sido evitadas.

A ONU alertou repetidamente, ao longo de 2024, que Gaza enfrenta “níveis catastróficos de insegurança alimentar”. O Programa Mundial de Alimentos denunciou que mais de 90% da população local passa fome extrema. Esses dados, embora devastadores, não moveram os governos mais poderosos. O mundo ouve, mas nada faz.

As crianças que deveriam estar nas salas de aula definham em corredores sujos de hospitais improvisados, quando não jazem em valas rasas. Alimentação intravenosa é quase inexistente. Fórmulas lácteas e suplementos nutricionais, itens inalcançáveis. Gaza tornou-se não apenas um campo de batalha, mas um campo de extermínio silencioso da infância.

Segundo a Save the Children, ao menos 30 bebês morreram de fome só nos três primeiros meses de 2025. É uma estatística que carrega gritos abafados e corpos minúsculos. E diante do fato de que quase metade da população de Gaza é composta por crianças, o quadro é alarmante. Não é colateral: é genocídio infantil em câmera lenta.

O Hospital Al-Rantisi, um dos últimos centros pediátricos ainda operantes, já não dispõe de fórmulas especiais para recém-nascidos prematuros. A cadeia de suprimentos médicos e alimentares está destruída. Médicos sem recursos, mães desesperadas, crianças famintas. A catástrofe tem nome, rosto e idade — e o mundo escolheu desviar os olhos.

E o que faz a comunidade internacional? Discursos mornos, resoluções fracas, gestos tímidos. O Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução pela ampliação da ajuda humanitária, mas caminhões seguem parados, fronteiras continuam fechadas e, quando conseguem avançar, são bombardeados. A política do bloqueio segue inabalável. A fome segue deixando um rastro de mortes.

A conivência com esse cenário macabro já ultrapassa a negligência — é cumplicidade. A fome, aqui, não é um subproduto da guerra, mas uma estratégia. E usá-la contra civis, especialmente crianças, configura crime de guerra segundo o Direito Internacional Humanitário. A pergunta não é mais por que isso está acontecendo, mas por que o mundo permite que continue.

Em 1984, imagens de crianças famintas na Etiópia causaram comoção global, mobilizando artistas, líderes e governos. Hoje, Gaza agoniza sob o silêncio. A diplomacia vacila, os grandes veículos de imprensa se dispersam, e o medo de se posicionar politicamente tornou-se mais forte do que a urgência de proteger vidas inocentes. A omissão virou política de Estado.

As mortes por fome em Gaza não são tragédias inevitáveis — são resultado direto de decisões humanas, tanto das que impõem o bloqueio quanto das que escolhem nada fazer. Cada criança que morre por desnutrição se torna uma acusação contra os que se calaram, contra os que viraram as costas, contra os que priorizaram alianças políticas à dignidade humana.

Enquanto isso, mães recorrem a água açucarada e a pedaços de pão seco, na esperança de que seus filhos resistam por mais algumas horas. Não se trata apenas de ajuda humanitária. Trata-se de humanidade — e ela, ao que parece, está cercada, faminta e esquecida junto com os inocentes de Gaza.

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Marcelo Copelli é jornalista, editor de Política, analista e pesquisador na área de Comunicação.

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