De indústria pornô a arte bolsonarista: O estranho mundo de Marie Declercq

Como interesses “fora da curva” viraram pautas.

De indústria pornô a arte bolsonarista: O estranho mundo de Marie Declercq
De indústria pornô a arte bolsonarista: O estranho mundo de Marie Declercq

Por  adele Robichez e raquel Setz - Bdf - 11/09/2025 06:58:32 | Foto: Jornalista Marie Declercq - Arquivo pessoal/Marie Declercq

Se você é “cronicamente online”, o nome de Marie Declercq provavelmente já cruzou a sua timeline. Em entrevista ao BdF Entrevista , da Rádio Brasil de Fato, a jornalista conhecida por investigações sobre indústria pornográfica, comunidades misóginas, arte bolsonarista e rituais da morte explica como transforma a própria curiosidade em pautas de reportagens que guiam o seu estilo de trabalho.

“Desde pequena, o meu interesse sempre foi voltado para coisas estranhas, o que causa repulsa, que me deixava um pouquinho assustada ou muito fascinada”, diz. Com passagem pela finada revista Vice Brasil , onde começou como estagiária em 2013 sem nunca ter cursado Jornalismo, ela resume a trajetória inicial da sua carreira como “uma escola completamente esquisita, nada convencional”.

Na Vice , Declercq ficou marcada pela cobertura da indústria pornográfica. O foco, explica, estava no funcionamento do negócio. “O meu interesse não é o sexo, o meu interesse é qual o tipo de contrato que eles fazem, como é a sessão de direitos autorais: é para sempre, cinco, dez anos? Eles podem distribuir o filme?”. A abordagem, segundo ela, que é bacharel em Direito, ajudou a construir confiança com fontes e a documentar uma história pouco registrada no jornalismo brasileiro.

Com o fechamento da redação da revista em 2020, a jornalista migrou para o UOL TAB , onde ampliou seu repertório sobre rituais da morte, cemitérios e suas burocracias. “Eu sempre digo que é uma questão de confiar na sua própria estranheza”, afirma, ao narrar como os cemitérios abriram as portas para temas como burocracias funerárias, legistas e empresas de limpeza de risco biológico. “Desde muito pequena, eu sempre fui muito fascinada por cemitérios”, revela.

No mundo subterrâneo da internet, Declercq começou, ainda na Vice Brasil , a mapear a misoginia em fóruns anônimos e comunidades virtuais. Foi nesse período que percebeu a aproximação entre esse discurso e a figura do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “A misoginia sempre é uma porta de entrada nisso [processo de radicalização], porque eu acho que ela é mais naturalizada e aceita na sociedade”, avalia. Mais tarde, no UOL , acompanhou como termos e ideias antes restritos a esses espaços migraram para grandes plataformas e influenciadores digitais, tornando-se um fenômeno de massas e atingindo meninos cada vez mais jovens.

Visão diferente

As histórias passam por personagens improváveis, como a retratista Lucimary Billhardt, que se tornou conhecida por pintar Bolsonaro e outras figuras da extrema direita. “Foi uma conversa extremamente pacífica. Eu, genuinamente, queria ouvir a história dela”, recorda a jornalista, que ressalta como a repercussão da reportagem acabou tornando a artista ainda mais arredia com a imprensa.

Lugares também se tornaram pauta de Declercq, a exemplo da paisagem vertical de Balneário Camboriú. Sobre a cidade catarinense, onde gravou um episódio do podcast Rádio Escafandro , ela sintetiza que, ao entrar em contato com a vida local marcada por arranha-céus vazios, ausência de espaços públicos e um certo isolamento social, começou “a ver Balneário como uma cidade muito melancólica”. “Queria trazer uma outra visão de Balneário, além do sertanejo universitário e da bebedeira”, pontua.

Os “nadas” que temos que lidar

Por fim, a jornalista comenta a própria relação com as redes e a decisão de sair do X (ex-Twitter) após anos de hiperconexão. “O Twitter sempre foi um ambiente um tanto beligerante”, opina. Foi na plataforma que ela protagonizou uma das interações mais lembradas da rede: chamada de Willy Wonka, personagem de A Fantástica Fábrica de Chocolate , retrucou apelidando a autora da publicação de Ronald McDonald, mascote da rede de fast food. A discussão, que fazia referência ao cabelo das interlocutoras, viralizou e acabou virando meme.

Hoje, ela segue escrevendo e investigando “os nadas que temos que lidar todo dia” em sua newsletter Não prometo nada , com mais de 22 mil assinantes na plataforma Substack, apostando em “micro comportamentos de internet”, como a cultura dos blogueiros de comida que exibem uma fartura artificial para atrair cliques e a venda de cursos online em esquema de pirâmide.

Para ouvir e assistir

O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.

Editado por: Maria Teresa Cruz

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