Só nos resta chamar a polícia e prender o ladrão que rouba
Maria José Rocha Lima[1] - 30/04/2023 09:29:36 | Foto: © Arquivo/Agència Brasil
Não venho aqui sem certo constrangimento falar sobre educação, porque sobre isto quase tudo já se discutiu, mas nunca se fez tão pouco num setor. Por isso, os educadores foram acometidos de um pudor pela palavra e um desespero mudo pela ação. Anísio Teixeira, 1947.
Na Bahia quando fundei o Movimento Anísio Teixeira em Defesa da Escola Pública no inicio da década de 80, instalamos o Tribunal Anísio Teixeira que denunciava os crimes cometidos contra a educação. Em 1988, na APLB, decidimos realizar a Marcha Anísio Teixeira em Defesa da Escola Pública. Os problemas educacionais eram tantos, que dificilmente dávamos conta de denunciá-los na imprensa. Eu como presidente da Associação dos Professores Licenciados da Bahia, estudiosa da obra do grande educador Anísio Teixeira resolvi criar um grande movimento em defesa da educação. De tanto receber denúncias e visitar os municípios baianos, atendendo aos convites das companheiras e companheiros que construíam e representavam a Associação dos Professores Licenciados da Bahia –APLB -, no interior da Bahia, me ocorreu à ideia de realizar uma marcha com características de uma olimpíada. Na verdade havia uma exaustão do movimento dos professores baianos, em função de tantas paralisações, greves, manifestações e campanhas tais como: Muda Educação; SOS Educação; Caos na Educação – quem precisa sabe que nada mudou; Servente ganha mal, Professor ganha pior; Tribunal Anísio Teixeira – para julgar os crimes contra educação. Por tudo isto, me ocorreu como presidente da APLB e estudiosa da obra de Anísio Teixeira idealizar o Movimento Anísio Teixeira em defesa da Escola Pública e a Marcha Anísio Teixeira a com características semelhantes a uma Corrida Olímpica – em que uma tocha era conduzida, com revezamento de zonal em zonal, de cidade em cidade, até a chegada a Salvador, onde todos se reuniriam numa grande marcha. Posteriormente idealizamos o Tribunal Anísio Teixeira para julgar os crimes cometidos contra a educação.
Em 1988, a Marcha Anísio Teixeira em Defesa da Escola Pública chegou a reunir 25 mil professores, estudantes, pais e lideranças comunitárias, nas ruas de Salvador, depois de percorrer todo o estado da Bahia. Foi muito bem recebida pelos professores da capital e do interior, e nas zonais mais ativas foram feitas grandes mobilizações. Eu e mais alguns dirigentes da APLB, à época, visitava - mos cidades do interior, com a tocha da marcha e, ao chegarem numa determinada zonal ou cidade, eram recebidos por centenas de professores e estudantes, da cidade e da região, que se reuniam em atos públicos, nos quais faziam queixas, denúncias, apresentavam Dossiês da Situação da Educação e as reivindicações locais.
As denúncias da situação das escolas baianas eram e continuam sendo de arrepiar. As escolas para a zona rural eram, quase sempre, construídas a beira da estrada, lugares de risco certamente para reservar os lotes mais valiosos para pessoas de “outro naipe”; as escolas tanto na capital como no interior eram muito sujas e desorganizadas; milhares de escolas sem sanitários, sem água potável, onde havia água, os tanques escolares eram descobertos, permitindo que “moleques perversos” defecassem no seu interior. Naquela época pedimos exames da água dos tanques escolares no Laboratório Central do Estado e foi constatada a presença de coliformes fecais , inclusive em escolas da Zonal de Brotas, comandada pela professora Marinalva Nunes, e em escolas da Zonal do Centro de Salvador, comandada pela Professora Edenice Santana de Jesus. Os jornais da época estamparam matéria de capa com a foto de um Ascaris lumbricoides , popularmente conhecido como lombriga; centenas ou milhares de escolas do interior sem sanitários e sem energia elétrica; não haviam equipamentos adequados como carteiras, mesas para os estudantes, mesmo na capital, onde, faltava ate carteira para professor. Material de expediente e didático nas escolas rurais eram luxos. No interior da Bahia, quase, não havia concursos públicos e as nomeações de professores, quase sempre eram políticas. As demissões pós- eleições eram comuns e as perseguições a professores do grupo de oposição aos prefeitos eram corriqueiras. Na zona rural, um grande número de professores era leigos, outros 70% tinham formação em nível médio, embora dessem aulas em diversas disciplinas e no ensino de 2º grau; os salários atrasavam, frequentemente. Havia municípios como Pedro Alexandre que tinha 92% de analfabetos.
O Movimento na APLB, iniciado em 1979, foi tomando vulto, destacando-se na imprensa e angariando apoios importantes na sociedade baiana, a ponto de, durante a greve de 48 dias, em 1985, personalidades como Dom Avelar Brandão Vilela, Arcebispo Primaz do Brasil, e o escritor Jorge Amado terem enviado mensagens de apoio aos professores.
Do final da década de 70, e durante as décadas de 80 e 1990, inclusive de 1991 a 1999, quando fui deputada dedicada, quase, exclusivamente à educação, tivemos apoios importantes à luta da educação de intelectuais baianos como o Luís Henrique Dias Tavares (historiador e imortal da Academia de Letras da Bahia); James Amado (escritor ocupava a cadeira de nº 27 da Academia de Letras da Bahia); Ildásio Tavares poeta, romancista, novelista, dramaturgo, ensaísta e compositor brasileiro; professor doutor Hermes Teixeira da UFBA, Professor PhD Miguel Bordas; professora e escritora Nilda Moreira; Professora doutora Celma Borges; escritora e poeta Mabel Veloso escritora e poeta; escritora Maria Antônia Coutinho escritora; escritor Florisvaldo Mattos; escritor Sérgio Mattos; escritor Ex - Secretário de Estado da Agricultura Euclides Neto; escritor e ex Secretário de Estado da Educação Edvaldo Boaventura; ator e arte - educador, ex-diretor do Teatro Castro Alves Carlos Petrovich, tendo representado personagens importantes no teatro e cinema; a atriz brasileira Rita Assemany (encarnou personagens marcantes, tanto no teatro quanto no cinema); cantora Célia França, a cantora Margareth Menezes (atual ministra da cultura); cantores e compositores baianos Jota Veloso e Roberto Mendes, Edson Gomes, Matusa, Luiz Caldas (criador do Axé Music); Vevé Calazans; o produtor cultural e Croner de Raul Seixas Beto Sodré (agora, é o pai de Carol Peixinho do BBB, RS); Marcelo Gentil do Grupo Cultural Olodum. Tivemos apoio de destacados jornalistas baianos Jânio Lopo (in memoriam); Edna Lula da Rádio Sociedade; Denis Rivera – uma das repórteres mais brilhantes, atuantes e marcantes do jornalismo na história da televisão baiana; jornalista e grande apresentador de TV Fernando José, que foi prefeito de Salvador; jornalista Raimundo Lima; escritor Joaci Góes advogado, jornalista, empresário e político brasileiro.
Apesar de tão grande mobilização, quarenta e três anos depois da Marcha Anísio Teixeira, a minha pesquisa de doutorado (2023) revelou que dos 417 municípios pesquisados 60% não cumprem integralmente a Lei do Piso Salarial Profissional Nacional. As queixas dos professores respondentes englobam clientelismo e descompromisso do poder público, ingerência da gestão municipal sobre o pedagógico da escola, falta de apoio das Secretarias Municipais de Educação, falta de segurança e má gestão de recursos.
Agora, só nos resta chamar a polícia e prender o ladrão que rouba as consciências, humilham as crianças e os recursos da educação!
[1] Maria José Rocha Lima é mestre em educação pela UFBA e doutora em psicanálise. Foi deputada de 1991 a 1999. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. É da Organization Soroptimist International Região Brasil e SI Brasília Sudoeste. Sócia Benemérita da Hora da Criança
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