Agricultora cria movimento contra energia eólica em comunidade quilombola na Bahia

A comunidade de Tiririca de Cima, que tem cerca de 70 habitantes.

Agricultora cria movimento contra energia eólica em comunidade quilombola na Bahia
Agricultora cria movimento contra energia eólica em comunidade quilombola na Bahia

Geovana Oliveira, Ibitiara, Ba (folhapress) - 16/06/2025 08:49:56 | Foto: Reprodução - Agência Sertão

Quando Ana Paula Santos, 41, chegou na comunidade quilombola Tiririca de Cima, em Ibitiara (BA), em 2014, já se falava de um projeto de energia eólica que seria instalado na região.

Ela deixou o trabalho de manicure na capital de São Paulo para morar no lugar em que o marido nasceu, "com vida mais tranquila, no campo", diz.

Não imaginava que, dez anos depois, seria presidente da Associação Comunitária de Produtores Rurais de Tiririca de Cima e uma das duas principais oposições locais à instalação de um complexo eólico na cidade de Ibitiara.

As comunidades circunvizinhas de Riachão, Caraíba, Olhos D'água Novo e Pau de Gamela já assinaram o contrato de arrendamento para permitir a instalação de turbinas eólicas pela empresa paranaense CER Energia. Faltam Tiririca de Cima e Canabrava.

A comunidade de Tiririca de Cima, que tem cerca de 70 habitantes, ainda está dividida sobre assinar ou não o contrato com a empresa. Alguns apoiam o empreendimento, outros têm medo dos seus impactos. Como são uma comunidade quilombola, por lei, todos precisam concordar.

Em março, Ana Paula ligou diretamente para o gerente fundiário da CER Energia quando um representante de uma empresa terceirizada entrou na propriedade de um morador para tentar negociar o contrato. "Já falei para eles: da porteira para dentro não é público."
Procurada, a CER Energia diz que não contata a comunidade há um ano e meio. "A Centrais Eólicas Carnaubal suspendeu tratativas no intuito de permitir que a comunidade delibere livremente e forme entendimento sobre seguir ou não."
Segundo Ana Paula, por muito tempo foi comum que representantes do projeto fizessem visitas surpresa nas casas e convocassem reuniões sem aviso prévio.

"Já citaram que somos fracos, que não temos dinheiro, que deveríamos aceitar [o parque eólico] por causa de dinheiro. São formas mais pesadas que eles falam, que dói", diz a líder comunitária. "Eu sempre pontuo que dinheiro não é tudo na vida, ainda mais quando é migalha."
A empresa oferece dois tipos de pagamento aos moradores de Tiririca de Cima.

Na fase pré-operacional, enquanto o parque eólico ainda estivesse em estudo ou construção, a empresa pagaria R$ 10 por hectare por ano, ou seja, R$ 16.070 anuais para a área arrendada de 1.607 hectares. Esse valor seria pago uma vez por ano para os 70 moradores, o que daria cerca de R$ 228 reais para cada um.

Na fase operacional, quando o parque estivesse vendendo energia, o pagamento passaria a ser mensal, correspondente a 1% da receita bruta da venda de energia gerada no imóvel.

O Inema (órgão ambiental da Bahia) cedeu o licenciamento prévio para parte do empreendimento em 2024. O projeto Parques Eólico Ibitiara, Veredas e Dunas estima ocupar uma área de influência aproximada de 92 mil hectares, com 176 aerogeradores e potência prevista de 739,2 MW.

O complexo total, segundo informações da prefeitura de Ibitiara, teria 220 aerogeradores na cidade.

"Quando eles começaram a vir com essa pressão para aceitarmos, eu queria entender se de fato seria bom para nós e se isso ia modificar a nossa vida diária. O que era esse projeto?", diz Ana Paula.

Desde 2011, a empresa Engewind, de engenharia e desenvolvimento de projetos eólicos, estudava a região para arrendá-la para geração de energia. Os moradores, na época, assinaram um contrato permitindo que fossem instaladas torres de medição de vento.

Há cerca de três anos, após Ana Paula se tornar presidente da associação, a CER Energia entrou em contato para ampliar o arrendamento anterior, permitindo a instalação das torres de geração de energia.

A líder comunitária conta que começou a pesquisar por conta própria as consequências de projetos eólicos em diferentes comunidades e não gostou do que viu.

Chamou sua atenção a forma como as empresas de energia renovável, em geral, chegam nas cidades -segundo ela, sem transparência-, os contratos abusivos aplicados, os conflitos provocados nas comunidades, as mudanças no modo de vida, as reclamações sobre o barulho das torres e impactos na saúde dos moradores, além de falta de comunicação clara sobre as consequências ambientais.

Ela afirma que tem ouvido desabafos de líderes comunitários arrependidos de terem assinado contratos.

"A gente tem paz. Um ambiente que às vezes ficamos nos perguntando, principalmente para quem já foi da cidade grande: 'Teria um outro lugar melhor para se morar do que aqui?'. Eu acho que não".

Entre as serras da Chapada Diamantina, os moradores de Tiririca de Cima sobrevivem da agricultura de subsistência. "A gente planta milho, feijão. Cada um tem sua hortinha, seus pés de frutas", diz Ana Paula.

Ela se preocupa com uma possível mudança na rotina. Pelas informações que acessou sobre barulho e impactos à saúde, ela teme um êxodo rural.

A Universidade de Pernambuco conduz com a Fiocruz um estudo sobre a "síndrome da turbina eólica" -condição associada à dificuldade de concentração, insônia, depressão, ansiedade e irritação. A comunidade de Caeté (PE), que participa da pesquisa, tem feito manifestações pedindo o fechamento do parque eólico da região.

Ana Paula teme ainda o impacto que o projeto pode ter sobre as nascentes que abastecem a comunidade. "A gente sabe que a serra é um lugar onde tem água, e o que eles vão destruir para o empreendimento eólico é a serra". Segundo parecer técnico da primeira parte do empreendimento no Inema, o projeto usará os lençóis freáticos da região.

Mas o problema maior para a líder comunitária são as condições do contrato.

O documento, acessado pela reportagem, não especifica quais poderão ser os impactos causados na comunidade, mas tem duas cláusulas que impõem renúncia ampla e irrestrita a qualquer direito de reclamação ou indenização, mesmo em situações injustas, prejudiciais ou inesperadas.

"Se fosse bom, não precisava de 'cala boca'", afirma, citando que o gerente fundiário do projeto já levantou uma possibilidade futura de explorar gás na região. "É lapada mesmo no lombo do nordestino, para ficar quietinho."
Em comunicado, a empresa contesta críticas e afirma que é "dedicada ao desenvolvimento de projetos de geração de energia elétrica a partir de fonte limpa e que detém compromisso inegociável com as melhores práticas empresariais, com a sustentabilidade socioambiental, em especial, respeito absoluto aos direitos das comunidades tradicionais nas regiões em que atua".

"A política da empresa preconiza que o oferecimento de contratos de arrendamento com objetivo proporcionar uma renda complementar às famílias, sem implicar em qualquer forma de remoção, expulsão ou perda de posse, permitindo o uso parcial e não excludente das propriedades", afirma também a companhia.

Comentários para "Agricultora cria movimento contra energia eólica em comunidade quilombola na Bahia":

Deixe aqui seu comentário

Preencha os campos abaixo:
obrigatório
obrigatório