A resposta pode estar na escola.
Por jose Olimpio Ferreira Neto - edição 1357 / Observatório Da Imprensa - 01/10/2025 07:51:22 | Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
A adolescência, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), é a fase da vida humana entre a infância e a idade adulta, que compreende dos 10 aos 19 anos de idade. É um momento importante do desenvolvimento humano que compreende os aspectos físico, cognitivo e psicossocial. A cultura, nessa fase da vida, tem papel de destaque, pois é uma via pela qual é possível vivenciar valores civilizatórios.
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define adolescente como aquela pessoa entre 12 e 18 anos de idade. De fato, não há consenso quanto à definição etária da adolescência. Especialistas dão uma elasticidade que alcança marcos até os 24 anos.
Para uns, isso é uma infantilização de adultos, para outros, uma atualização do contexto social, no qual o jovem ganha autonomia para assumir algumas responsabilidades, que vêm cada vez mais tarde.
Para o intervalo etário previsto no ECA, a família, a comunidade, a sociedade em geral e o poder público têm o dever de assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à cultura. Sendo assim, é preciso pensar em formas de promover o acesso à cultura para esse grupo e, para isso, é fundamental ter políticas públicas intersetoriais, nas quais a cultura atravesse o processo formativo, seja em espaços formais e não formais de educação, como escolas, universidades, centros sociais ou associações.
O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos de Ciência, Tecnologia e Inovação (CGEE), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), promoveu, em 2023, um estudo de Percepção Pública da Ciência e Tecnologia (C&T) e, entre os temas estão a arte e a cultura.
Nesta plataforma, é possível fazer uma análise a partir do perfil dos entrevistados. Os jovens na faixa etária entre 16 e 24 anos, nordestinos, das classes D e E apresentam os seguintes percentuais de interesse pelo setor: muito interessado 19,35%, interessado 30,6%, pouco interessado 31,7%, nada interessado 18,35%. A arte e a cultura apresentam um percentual abaixo de 50% de “muito interessado” e “interessado” no perfil em análise. O que ocupa o tempo dos jovens, então?
A pesquisa “Cultura nas Capitais”, realizada pelo Ministério da Cultura (MinC) e parceiros, tem dados mais pontuais. Os jovens na faixa etária entre 16 a 24 anos, de Fortaleza-CE, das classes D e E, apresentam, em relação ao acesso de bens e serviços culturais, o seguinte quadro: os jogos eletrônicos, seguido de cinema, chegam, respectivamente, a quase 80% e 70% de acesso; museus, em que o acesso é gratuito na cidade, atinge um percentual de apenas 8%, ao lado de feira de livros e saraus; as bibliotecas apresentam um acesso de apenas 21%; teatro, dança e circo estão abaixo de 20%; locais históricos, que não cobram entrada, e shows de música, por vezes gratuitos, têm acesso abaixo de 40% cada; livros, 52% e concertos, sem registro.
O ECA prevê que os adolescentes têm direito à cultura, ao lazer, às diversões, aos espetáculos etc. Além disso, é preciso constatar que os bens estão disponíveis, por vezes de forma gratuita. Afinal, onde está a falha?
Não basta oferecer acesso a bens e serviços culturais. É necessário trabalhar na formação dos sujeitos, de forma que eles se percebam históricos e tenham suas memórias asseguradas para participação protagonista na elaboração e reelaboração de conhecimentos, saberes e fazeres.
O processo educacional, conforme o ECA, precisa respeitar os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social dos adolescentes, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura. Como criar, elaborar e reelaborar sem antes conhecer, analisar ou vivenciar?
A resposta pode estar na escola, que precisa ser um lugar de promoção da cultura por meio das artes e da educação patrimonial; da presença de manifestações culturais, como capoeira, toré, samba e maracatu; da adoção de espaços não formais de aprendizagem em sua agenda, como museus, pinacotecas ou bibliotecas públicas; da visita a quilombos e aldeias indígenas para conhecer outras epistemologias.
Para que essas e outras ações sejam possíveis é preciso planejar e destinar recursos financeiros que devem ocorrer por meio de políticas públicas intersetoriais. É necessário destinar recursos que, com base no ECA, podem ser estimulados pelos municípios e contar com o apoio dos governos estaduais e da União.
Nesse sentido, o princípio da universalidade cultural, garantido constitucionalmente, efetiva-se e vai além do simples “acesso”. Com essas medidas, fomenta-se a formação de cidadãos, que se apropriam de sua história, participam ativamente e constroem seu próprio futuro.
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José Olímpio Ferreira Neto é capoeirista, advogado, professor, mestre em Ensino e Formação Docente. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (GEPDC/UNIFOR). Presidente da Comissão de Direitos Culturais da OAB Ceará. Membro da Diretoria do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult).
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