Imprensa brasileira se superou na cobertura da CPI da Covid. Agora é com a PF 

Agora é a com a PF.

Imprensa brasileira se superou na cobertura da CPI da Covid. Agora é com a PF 
Imprensa brasileira se superou na cobertura da CPI da Covid. Agora é com a PF 

Por  carlos Wagner - Observatório Da Imprensa edição 1357 - 29/09/2025 07:27:10 | Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

aqui..

Desde outubro de 2021, sempre que tive oportunidade, indaguei sobre o destino do relatório final de 1.180 páginas da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, a CPI da Covid, como ficou conhecida. Não deixar os assuntos importantes apodrecer nas gavetas é uma mania que adquiri e aperfeiçoei na lida de repórter, durante os anos que vivi nas redações dos jornais (1979 – 2014). E ainda conservo nas minhas andanças pelas estradas, em busca de novas histórias para contar. Lembrei-me desta minha mania na quinta-feira (18), quando não me contive e falei em voz alta um “finalmente” ao saber que o ministro Flávio Dino, 57 anos, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou a Polícia Federal (PF) abrir um inquérito para apurar as ilegalidades denunciadas no relatório da CPI. Foi dado o prazo de 60 dias para a PF concluir o trabalho. Aprendi na lida da reportagem que uma coisa é escrever uma história que diz respeito apenas aos envolvidos. Outra coisa é abordar um acontecimento que envolve todo mundo, inclusive o autor da reportagem. Vamos conversar sobre o assunto.

Em janeiro de 2019, quando o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 70 anos, assumiu o seu mandato, já era do conhecimento dos repórteres que o seu passatempo preferido era disparar bravatas e desaforos contra seus adversários e aliados políticos que o contrariassem. Este tinha sido o seu comportamento durante as três décadas em que, eleito pelo Rio de Janeiro, atuou como deputado do “baixo clero” da Câmara, como a imprensa apelidou os parlamentares que não participam do centro das decisões políticas do Congresso. Em 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia da Covid-19, a imprensa conheceu uma outra particularidade de Bolsonaro: a crueldade. Nos meses iniciais da doença, médicos, cientistas e outros especialistas da área de saúde sabiam que o vírus tinha um alto poder de contágio e mortalidade e que não existia remédio específico para combatê-lo. Portanto, era urgente encontrar uma vacina. Não exagero ao afirmar que a pandemia parou o mundo. As pessoas confinadas em suas casas torciam para não ser a próxima vítima do vírus. Lembro-me de ter conversado com amigos que haviam sido hospitalizados com Covid e ouvi deles relatos de casos de pacientes que eram levados para a UTI, de onde poucos retornavam vivos. Bolsonaro viu no medo da população uma oportunidade de brilhar e perfilou-se ao lado de governos negacionistas em relação à letalidade da doença, como o do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), 79 anos, que na época cumpria o último ano do seu primeiro mandato. Bolsonaro teve melhor performance que os seus colegas. Deu entrevistas imitando estar com falta de ar, que era um dos sintomas da doença. Conseguiu reunir ao seu redor médicos, pesquisadores e outros especialistas seguidores das teorias da conspiração contra as vacinas. Inventou e divulgou um kit de remédios que não funcionava contra o vírus, no qual se destacava a cloroquina, medicamento usado para o tratamento da malária.

Bolsonaro tornou o seu negacionismo uma política de governo, que tinha como coluna dorsal o boicote às informações para a imprensa, ao mesmo tempo que financiava e operava uma bem azeitada e eficiente máquina de fake news. Este foi um dos motivos que levaram à formação do Consórcio de Veículos de Imprensa, integrado por G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL. As informações do consórcio acabavam abastecendo toda a imprensa, especialmente jornais e emissoras de rádio e TV do interior do Brasil. Em maio de 2023, lembrei no post Cobertura da pandemia da Covid-19 mudou para melhor o jornalismo brasileiro que, quando os noticiários começaram a colocar nas manchetes a informação de que caminhões frigoríficos estavam sendo estacionados nos pátios dos hospitais para receber os mortos porque não havia mais lugar nos necrotérios lotados, e que os cemitérios começavam fazer enterros em covas coletivas, a população, entidades e outros setores da comunidade aumentaram a pressão contra a gestão da pandemia pelo governo. Na ocasião, tive uma conversa online com estudantes de jornalismo e lembrei-lhes que a população americana começou a se mobilizar contra a Guerra do Vietnã (1965 – 1973) quando os caixões dos soldados americanos apareceram nos noticiários das redes de TV. Este foi um dos motivos que levaram as autoridades militares americanas a posteriormente proibir a presença de repórteres nos campos de batalha. Não tenho os números. Mas fui testemunha da história. A cobertura da imprensa da pandemia contribuiu para despertar na população o interesse em acompanhar as sessões da CPI da Covid, que foi presidida pelo senador Omar Aziz (MDB-AM), 67 anos, e teve como relator Renan Calheiros (MDB-AL), 70 anos. O relatório indiciou Bolsonaro e mais 65 pessoas, entre eles parlamentares, militares (ativa, reserva e reformados que ocupavam cargos no governo), médicos, empresários e jornalistas. Eles são acusados de estarem envolvidos em mais de 10 crimes. Os investigadores da PF não irão encontrar dificuldades no seu trabalho: o relatório é completo e rico em detalhes. Além disso, os depoimentos estão gravados.

Toda a história, com riqueza de detalhes, como se dizia nos tempos das máquinas de escrever nas redações, pode ser encontrada nas matérias publicadas nos jornais. Aliás, lembrei-me de um detalhe. Na ocasião, o presidente Bolsonaro deixou um longo rastro de provas contra a sua gestão da pandemia documentada pelas suas declarações na imprensa. O mesmo aconteceu com os seus ministros e apoiadores. O comportamento de documentar provas contra si é uma marca registrada do ex-presidente. No início de setembro (2025), ele foi condenado a 27 anos de prisão pela Primeira Turma do STF por cinco crimes, entre eles a formação de uma organização criminosa, com o objetivo de dar um golpe de estado – há muitos detalhes sobre o caso na internet. Muitas das provas do caso foram documentadas pelas câmeras da segurança das salas de reunião. Lembro que em 19 de julho de 2024 escrevi o post Por que Bolsonaro semeou provas contra o seu governo, como o áudio da Abin paralela? A notícia “quente” na imprensa atualmente é sobre a tentativa dos parlamentares bolsonaristas radicalizados de enfiarem garganta abaixo do Congresso um projeto de anistia ampla e geral para o ex-presidente e os outros golpistas. A história da CPI da Covid é um assunto forte que irá abrir espaço na mídia, porque a má gestão da crise colocou a digital do governo Bolsonaro nos mais de 700 mil mortos. Não é apenas um número. Mas uma história que aconteceu dentro da casa de muita gente ou com seus amigos e parentes. Foi uma tragédia que envolveu todos os brasileiros. Como eu disse, a imprensa brasileira se superou na cobertura da CPI da Covid. Agora é a com a PF.

Publicado originalmente em Histórias Mal Contadas.

***

Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017,

Comentários para "Imprensa brasileira se superou na cobertura da CPI da Covid. Agora é com a PF ":

Deixe aqui seu comentário

Preencha os campos abaixo:
obrigatório
obrigatório