Por Maria José Rocha Lima: Alegoria do Pau de Sebo e a inalcançável valorização do professor

O que dizer sobre a desvalorização do professor.

Por Maria José Rocha Lima: Alegoria do Pau de Sebo e a inalcançável valorização do professor
Por Maria José Rocha Lima: Alegoria do Pau de Sebo e a inalcançável valorização do professor

Por Maria José Rocha Lima - 14/06/2025 21:03:41 | Foto: Por Maria José Rocha Lima / Senado Federal

“A educação é a força. Esta tem como consequência que aos mestres e às escolas, mais do que aos soldados e aos seus estadistas, devemos a liberdade e a prosperidade que minha pátria desfruta.”

(Rui Barbosa, 1883)

O que dizer sobre a desvalorização do professor, após mais de duzentos anos de luta?
Falar o quê, depois de treze anos da criação do piso salarial do magistério, quando 63% dos municípios brasileiros — e 60% dos baianos — simplesmente ignoram a legislação, sem sofrer qualquer sanção?
Como receber, sem indignação, a notícia de que os professores brasileiros têm os piores salários entre os 40 países avaliados pela OCDE? E como aceitar que um país rico como o nosso pague apenas 14 mil dólares anuais aos seus docentes, enquanto professores alemães recebem, em média, 70 mil dólares por ano?

Durante a produção da minha tese de doutorado, dedicada à implantação da Lei nº 11.738/2008 — que instituiu o Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN) para os professores da educação básica —, concluí que a única forma de simbolizar essa luta exaustiva e aparentemente inexplicável é por meio de uma alegoria: a Alegoria do Pau de Sebo — a Inalcançável Valorização do Professor. Um sobe e desce permanente. Um vai-não-vai, cai-não-cai. Vejamos.

Em 15 de outubro de 1827, o imperador Dom Pedro I outorgou a Lei das Escolas de Primeiras Letras, que já previa, em seu artigo 3º, a remuneração dos professores — um piso salarial nunca implementado.

Seu sucessor, Dom Pedro II, chegou a afirmar que, se não fosse imperador, gostaria de ser professor, pois não conhecia missão maior e mais nobre do que “dirigir inteligências jovens e preparar os homens do futuro”. Ainda assim, após quase 50 anos de reinado, nada de concreto foi feito por ele em relação ao salário e reconhecimento dos docentes.

As palavras belas dos monarcas — e até mesmo alguns atos legislativos — não produziram os efeitos prometidos sobre a política de valorização docente. Ainda que simbólica, a previsão de um piso, em 1827, é um dos marcos mais expressivos do divórcio histórico entre discurso e prática no Brasil, quando se trata da remuneração dos professores da rede pública.

Em 13 de abril de 1882, Rui Barbosa apresentou seu célebre Parecer sobre o Ensino Secundário e Superior. Como destacou o ex-deputado e ex-secretário de Educação da Bahia, Eraldo Tinoco Melo, na introdução ao Tomo I da Reforma do Ensino Primário (1947):

“Somente Rui, na grandiosidade do seu talento e na polimorfia da sua cultura, como conselheiro de Ensino Provincial ou deputado à Assembleia Geral do Império, conseguiu atingir tal nível. A faceta de Rui como educador tem sido muitas vezes esquecida, ou mesmo ocultada.”

Seus pareceres tornaram-se documentos referenciais na história educacional das Américas. D. Pedro II, reconhecendo seu valor, nomeou-o conselheiro — a maior honraria civil da época.

Rui propunha uma reforma educacional que abrangesse desde o jardim de infância até o ensino superior, defendendo um sistema nacional de educação. Além disso, foi um precursor da ideia de fundos de financiamento educacional, que Anísio Teixeira desenvolveria mais tarde, inserindo-a no Manifesto dos Pioneiros da Educação, em 1932.

Inspirada nesses dois grandes baianos, apresentei, na Assembleia Legislativa da Bahia, a proposta de criação de um Fundo Estadual de Educação. Quando deputada, com apoio do Reitor Felipe Serpa (UFBA), participamos das discussões do Fundef junto ao MEC. Como representante da CNTE, levei a proposta às discussões da LDB. Posteriormente, como consultora do PT na área educacional, ajudei a elaborar o Fundeb, sempre defendendo o piso salarial profissional. E, por sorte, participei — a convite da Senadora Lídice da Mata — da construção do Novo Fundeb, hoje incorporado à Constituição, permanente e com mais recursos.

Na década de 1990, o governo acenou com um Pacto pela Valorização do Magistério — que jamais saiu do papel. A criação do Fundeb reacendeu esperanças. Por fim, em 2008, foi sancionada a Lei nº 11.738, criando o PSPN. Mas, 17 anos depois, 63% dos municípios brasileiros ainda descumprem a legislação. Na Bahia, cerca de 60% dos municípios também não aplicam o piso. Diante disso, representantes sindicais ouvidos na minha pesquisa defendem que o magistério se torne uma carreira de Estado — nacional, estruturada — como forma de garantir valorização futura.

Ao longo do trabalho acadêmico, percebi um profundo cansaço nos discursos — inclusive no meu próprio. São mais de quarenta anos de militância. Em 1997, quando cursava o mestrado, fui tomada por um sentimento de que era preciso ousar mais, romper padrões, apostar na criatividade e até na competência imaginária.

Foi então que compreendi: a luta pela valorização docente no Brasil pode ser bem representada pela Alegoria do Pau de Sebo.

A brincadeira — tradicional, especialmente no Nordeste — consiste em escalar um mastro alto, escorregadio, untado com sebo, em busca de um prêmio no topo. Não se pode usar ferramentas: é só o corpo, a coragem e a persistência. A multidão assiste. Finge torcer, mas, no fundo, espera a queda. A maioria desiste antes de chegar ao topo — quase sempre inalcançável.

Assim tem sido a trajetória do magistério no Brasil. A cada governo, surgem promessas brilhantes que escorregam da realidade.

Ao recorrer à Alegoria do Pau de Sebo — a Inalcançável Valorização do Professor — proponho uma nova forma de discutir o tema: tirando o professor do lugar passivo da vítima e levando a academia a uma tarefa urgente — desmistificar e desconstruir os preconceitos que cercam a profissão, tornando o docente menos vulnerável à enganação dos poderosos. Se não mais feliz, ao menos mais consciente e digno.

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