O fascismo de sinal trocado mostra a tirania ‘popular’

O século XXI deu novas roupagens ao velho autoritarismo

O fascismo de sinal trocado mostra a tirania ‘popular’
O fascismo de sinal trocado mostra a tirania ‘popular’

Por João Zisman - 09/11/2025 09:41:39 | Foto: João Zisman - Artes/IA

O fascismo é, antes de tudo, uma forma de dominação, não um campo ideológico. Nasce sempre que o poder passa a ser tratado como valor absoluto, e o indivíduo, como instrumento. Sua essência está menos nas cores das bandeiras e mais na incapacidade de conviver com o contraditório. Por isso, reduzi-lo à direita ou à esquerda é um erro conceitual que empobrece o debate e distorce a história.

O fascismo não é doutrina. É método. É a manipulação da verdade em favor de um líder e a transformação da lealdade em virtude cívica. É o Estado submetido à vontade de um homem, o partido confundido com a nação, e a opinião divergente transformada em ameaça. O mesmo impulso autoritário que levou Mussolini e Hitler ao poder é o que move hoje projetos políticos que, mesmo travestidos de defesa popular, utilizam os mesmos instrumentos de controle e repressão.

A verdadeira antítese do fascismo não está em outra ideologia, mas na cultura democrática. Democracia é, antes de ser um regime, um valor. É a crença de que o poder deve ser fiscalizado, de que o cidadão pode dizer não sem medo, e de que a pluralidade é sinal de força, não de fraqueza. Ela nasce do equilíbrio entre liberdade e responsabilidade, entre vontade política e respeito à lei.

O século XXI deu novas roupagens ao velho autoritarismo. Já não se precisa de uniformes, hinos ou marchas. Basta dominar a comunicação, aparelhar instituições e controlar o medo coletivo. A Venezuela é o exemplo mais didático dessa metamorfose. Hugo Chávez ascendeu prometendo justiça social e soberania nacional. Em poucos anos, a revolução que começou nas ruas migrou para os palácios. O discurso popular transformou-se em projeto de poder. O carisma deu lugar à censura, e a lealdade ao líder passou a valer mais do que a Constituição.

Nicolás Maduro herdou o modelo e o levou à sua forma mais perversa: o autoritarismo legitimado por um verniz ideológico. Fala em nome do povo, mas governa com base no medo. Defende igualdade, mas perpetua privilégios. Invoca a soberania, mas destrói as instituições que a sustentam. O resultado é uma sociedade submetida, onde o Estado serve para garantir a sobrevivência do poder, não o bem-estar do cidadão. É o fascismo de sinal trocado: um regime de exceção travestido de revolução.

Esse fenômeno não é exclusivo da América Latina. Ele se repete em diversos lugares onde o populismo encontrou terreno fértil para se reinventar. E é nesse ponto que a análise precisa superar o maniqueísmo. Há autoritarismos que se dizem de esquerda e outros que se dizem de direita, mas o que os une é a recusa ao diálogo, a perseguição à imprensa livre e o desmonte das instituições de controle. Onde não há limite ao poder, não há liberdade possível.

A antítese do fascismo, portanto, é a maturidade política. É o exercício da crítica sem ódio, da divergência sem destruição. É entender que as democracias não se mantêm apenas por votos, mas por valores. Defender a liberdade não é aderir a um campo ideológico, mas preservar o espaço onde todos os campos possam existir. O fascismo morre quando o cidadão entende que o poder é apenas um meio, e nunca um fim.

O mais curioso é que o fascismo sobrevive também no comportamento de quem se julga seu inimigo. Não são raros os que usam “fascista” como xingamento, mas agem como tal ao negar a palavra alheia. A intolerância, disfarçada de superioridade moral, é o terreno fértil do autoritarismo. O verdadeiro antifascismo não está em gritar mais alto, mas em escutar. O fascismo não precisa de símbolos nem de partidos; basta a convicção de que o outro não tem o direito de existir na conversa.

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