A austeridade não serve para enfeitar discursos nem para justificar rigidez
Por João Zisman - 26/10/2025 18:49:38 | Foto: João Zisman - Foto Editoria de Artes/IA
Austeridade é uma palavra difícil de usar sem parecer moralista. Talvez porque muita gente a confunda com dureza, quando na verdade ela é apenas o ato de não se enganar. É a escolha de viver com coerência, mesmo quando isso custa caro. A austeridade, no fundo, é a irmã mais reservada da coerência. E, quando ambas caminham junto da lealdade, formam um trio raro, quase extinto.
Ser austero não é abrir mão do prazer nem vestir a fantasia da virtude. É só recusar o desperdício, seja de dinheiro, de tempo ou de caráter. É aprender a medir antes de agir e a dizer não quando todos esperam um sim fácil. E isso vale para tudo: decisões públicas, amizades antigas, gestos do cotidiano. A coerência é o fio que costura tudo isso, e a lealdade é o nó que impede que o tecido se rasgue.
A verdadeira lealdade não se confunde com cumplicidade. Ser leal não é proteger o erro, mas respeitar a verdade. É apoiar sem bajular, discordar sem trair, estar presente sem precisar ser cego. E é justamente aí que a austeridade encontra seu limite mais humano, porque exige coragem para não confundir afeto com obrigação.
Há quem trate a austeridade como um fardo, mas o peso maior vem de fingir que se é coerente quando não se é. É aí que mora a hipocrisia, esse jeito disfarçado de enganar a si mesmo e aos outros. A verdadeira austeridade não precisa de aplausos, porque não é espetáculo. Ela acontece no silêncio de quem faz o certo sem plateia.
O difícil é mantê-la quando a vida cobra flexibilidade. Quando o compadrio se apresenta com o rosto da lealdade, quando a amizade pede o que a consciência não autoriza. É nesses momentos que se descobre que a coerência não é qualidade de quem quer ter razão, mas de quem quer ter paz.
Mas é importante lembrar que ninguém está imune a deslizes. Todos, em algum momento, escorregam. A diferença está em como se reage. Quem tem coerência não busca desculpas, assume o ônus e segue. Encarar o erro com naturalidade é parte da própria austeridade. Ela não é um escudo contra falhas, mas um modo digno de lidar com elas.
A austeridade não serve para enfeitar discursos nem para justificar rigidez. Serve para manter de pé o que o tempo tenta entortar. É o que separa a dignidade da conveniência, o que dá sentido às escolhas e mantém limpo o que poderia ser corrompido.
Não é fácil ser coerente o tempo todo, mas é pior viver fazendo concessões que acabam virando hábito. A austeridade, quando é sincera, não precisa provar nada. Ela simplesmente está ali, na forma de uma vida simples, de uma decisão difícil, de um olhar que não desvia.
No fim das contas, é ela, junto da coerência e da lealdade, que garante o essencial: poder se olhar no espelho sem precisar de desculpas.
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