O crime organizado evoluiu. O Estado, não.
Por Everardo Gueiros - 27/10/2025 18:19:48 | Foto: TRE-DF
A violência deixou de ser um problema de segurança e se tornou uma questão de soberania. O Brasil convive com organizações criminosas que atuam dentro e fora das fronteiras, movimentando bilhões e desafiando a autoridade do Estado. O crime organizado evoluiu. O Estado, não.
A execução do ex-delegado-geral de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, assassinado em setembro de 2025 em uma emboscada no litoral paulista, e o assassinato do contador Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, delator do PCC morto em pleno aeroporto de Guarulhos, revelam o grau de ousadia e a capacidade de articulação das facções. Esses episódios não são casos isolados, mas o retrato de um sistema que perdeu a hierarquia do comando e a confiança da sociedade.
Nas décadas passadas, os grandes crimes eram sequestros e assaltos a banco. Hoje, o lucro vem da lavagem de dinheiro, do tráfico internacional e da infiltração institucional. O crime deixou de ser clandestino e passou a operar com método, planejamento e conexões políticas. Sua ramificação dentro das estruturas de poder é talvez a face mais perversa desse processo. Há mandatos, contratos e cargos contaminados por interesses que orbitam em torno do crime organizado, direta ou indiretamente. Quando o Estado se confunde com o crime, perde o direito de exigir respeito.
É urgente implantar uma política nacional de fronteiras, sustentada por tecnologia, monitoramento e integração real entre União, Estados e Municípios. Cada quilômetro sem vigilância é um convite ao avanço do tráfico de drogas, armas e pessoas. O país precisa também de uma coordenação central de inteligência, capaz de cruzar informações, antecipar movimentações e desarticular redes criminosas antes que se consolidem.
O sistema prisional é outro eixo fundamental. Muitas penitenciárias funcionam como escritórios do crime, com líderes que comandam operações de dentro das celas. É indispensável isolar essas lideranças, cortar comunicações, garantir segurança aos agentes penitenciários e impedir que as prisões continuem a reproduzir a violência que deveriam conter.
Mas nenhuma ação será suficiente se não houver prevenção e reconstrução social. O enfrentamento do tráfico também passa por educação, capacitação e oportunidade. Cada jovem que encontra um caminho legítimo é uma derrota para o crime. Cada omissão do Estado é um incentivo à criminalidade.
A discussão sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos precisa ser tratada com responsabilidade, mas também com coragem. O país não pode continuar permitindo que adolescentes de 17 anos, recrutados e armados por facções, matem, roubem e comandem crimes sob o escudo da impunidade. A inimputabilidade absoluta nessa faixa etária tornou-se um incentivo indireto à cooptação juvenil pelo crime. Reduzir a maioridade penal não é criminalizar a juventude, mas responsabilizar quem já tem plena consciência de seus atos. O Brasil precisa equilibrar proteção social com efetividade penal — sem isso, continuará premiando o aliciamento e punindo apenas o executado, nunca o mentor.
Por fim, é preciso enfrentar o elo mais sensível e silencioso: a contaminação política pelo crime. O narcotráfico e as facções não sobrevivem apenas da força das armas, mas da complacência de quem se beneficia do caos. O dinheiro sujo que financia campanhas, o tráfico de influência e a omissão legislativa são formas sofisticadas de cooperação criminosa. Combater isso exige transparência, controle de mandatos e uma reforma moral do sistema público.
O desafio é imenso, mas inevitável. O Brasil precisa abandonar o improviso e reconstruir sua autoridade com planejamento, continuidade e coragem.
O crime organizado evoluiu. O Estado, não. É hora de reagir antes que a conivência se torne política de governo.
Comentários para "Artigo & Opinião de Everardo Gueiros - O Estado refém do crime":