Mostra-me tua face, por Vital Didonet*

Ensaios de encontro com Deus na vida cotidiana

Mostra-me tua face, por Vital Didonet*
Mostra-me tua face, por Vital Didonet*

Por Vital Didonet* - 20/01/2024 19:13:13 | Foto: Divulgação

A oração é o exercício do amor, graças ao silêncio de Deus
(Antoine de Saint-Exupéry, Cidadela)

Deus se dirige a nós de diferentes modos: no íntimo da nossa consciência, como desejo, intuição, necessidade; na natureza, como criação de beleza e esplendor de vida, no “Outro” que nos interpela e se mostra infinito em mistério; em outras mil formas em todos os lugares. Mas o jeito mais tangível foi em seu Filho, que veio conviver conosco e prometeu ficar no meio de nós até o fim dos tempos. A Carta aos Hebreus resume este mistério: “Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas. Ultimamente nos falou por seu Filho, que constituiu herdeiro universal, pelo qual criou todas as coisas” (Hb 1. 1-2).

Nós, também de diferentes formas, percebemos a comunicação, a presença e a ação de Deus em nossa vida. Quando o encontro é pessoal, a experiência é indescritível, e a consequência, surpreendente. E se o nosso nome for pronunciado por Ele, ainda mais! Uns se põem a caminho de uma utopia, como Abrão. Outros caem do cavalo, como Saulo. Uns largam casa e trabalho, como Pedro, João, Mateus. Outros continuam como antes, porém imbuídos de um novo motivo em suas vidas. Em alguns, a alma se incendeia. Em outros, desce uma serenidade que ameniza tensões e transvaza pelo olhar. Todos os que encontram o Senhor passam por alguma transformação. Abrão vira Abraão, o pai dos crentes; Saulo se converte em Paulo, o apóstolo das nações; Pedro, João, Mateus, atraídos por um olhar e um convite, deixam barco e redes de pesca, o cultivo do campo, a banca de impostos, e passam a acompanhar aquele que os cativou. E, depois, a anunciar o nome, os feitos e a mensagem do Jovem de Nazaré, que os havia fascinado. E eu?

Em que curva da estrada Deus está à minha espera? Atrás de que pano oculta o seu rosto aos meus olhos? Em que momentos Ele o desvela à minha fé? Que sinais me oferece para que eu perceba a sua presença? Viverei todos os meus dias como peregrino do seu santuário e o encontrarei somente depois da morte? Ou, já no caminho, como os irmãos de Emaús, o tenho, companheiro, me explicando os acontecimentos? Porque há muitos fatos em minha vida e no mundo que parecem destruir a esperança. De uma coisa devo ter certeza: mesmo que eu não o veja, Ele está mais perto do que sou capaz de imaginar ( ), mesmo que não haja a “fração do pão” – o gesto que o revela. Porém, quando poderei confiar de que o encontrei? Que sentimento me invadirá quando perceber a sua presença? Serei capaz de pensar alguma coisa diante de sua “face” fulgurante? Talvez a surpresa e a alegria não me deixem fazer outra coisa senão correr ao encontro dos meus irmãos e dizer-lhes: “vi o Metre!”

Acontece, porém, que não vemos a Deus, pois Ele é espírito. Não o tocamos, pois não é material. Ancoradas em São Tomé, muitas pessoas dizem que precisariam ver para crer. Um caminho mais eficaz talvez seja o da inversão dos verbos: “crer para ver” ( ). Mas… que é crer? E que significa ver? A pergunta pela origem do mundo, a intuição da existência de um ser Superior, o pressentimento de sua presença são apenas ambíguos começos, como o engatinhar do bebê na direção de sua mãe. Razões (filosóficas), motivos (psicológicos) e testemunhos de vida (experiências) apontam para Ele, mas não tocam no cerne da humana busca de Deus. Pois evidência lógica não gera fé; emoção não equivale a crença; relatos pessoais descrevem vivências de outrem, não algo que “eu” pessoalmente tenha experimentado. Resta, sempre, a questão: eu e Deus.

No campo da filosofia, temos as “provas” de Aristóteles ( ), revistas e reescritas por Santo Tomás de Aquino, a prova ontológica de Santo Anselmo (Anselmo de Cantuária) e outros argumentos de uma pleiade de filósofos ao longo da História ( ). Os argumentos metafísicos querem chegar a Deus como necessário, o princípio, a origem, a causa do mundo e de sua perfeição. É lógico que o ser não pode provir do não-ser, que o nada nada pode gerar nem dar início a uma sequência de criações; uma cadeia de elos, por mais comprida que seja, não se sustenta no ar, ela precisa de um prego, de uma mão que firma o primeiro elo. É uma conclusão lógica que é necessário um primeiro, não criado, que dá início às criaturas; a ordem e o funcionamento do universo requerem uma sabedoria onipotente e onisciente; deve haver uma inteligência superior capaz de criar a tão fantástica beleza do universo que só aos poucos vamos descobrindo ( ). Não são comprovações ao estilo daquelas produzidas pela ciência, mas reflexões sobre a plausabilidade racional de sua existência. O argumento de Santo Anselmo parte da fé, vai à inteligência e retorna à fé: “alguma coisa maior do que nada maior pode ser pensado existe tão verdadeiramente que não se pode pensar que não existe ( ).

Raciocínios lógicos são irrefutáveis, mas não fazem um crente. Dão-nos argumentos, mas não nos põem de joelhos. Na sua profunda humildade, Santo Tomás reconhecia que as cinco “vias”, como preferiu chamar as provas metafísicas, apesar de serem incontestáveis sob o ponto de vista lógico, não alcançam o Ser-de-Deus ( ). São vias solitárias, que nos deixam ainda sozinhos. Elas chegam só até onde a razão humana pode alcançar: no limite de nossa compreensão. Por isso, para nos referirmos a Deus, usamos a negação como afirmação: Deus é Infinito (não finito), Imortal (não mortal), Incomensurável (não medível), Invisível (não visível), Inefável (não é falável, isto é, não há palavra para nomeá-lo nem descrever a sua beleza).

Kant, em “A religião nos limites da simples razão” pretendeu demonstrar que a razão também chega ao fenômeno religioso por meio do raciocínio lógico ( ). Ele não vê incompatibilidade entre razão e revelação, antes complementaridade, e compara a fé (nascida da Revelação – da Escritura) e a compreensão lógica (nascida da razão) como dois círculos concêntricos, em que a primeira é a esfera mais ampla, que contém a segunda, menor. Mas vale a reflexão de Lévinas: “O Deus dos filósofos, de Aristóteles a Leibniz, passando pelo Deus dos escolásticos, é um deus adequado à razão, um deus compreendido que não saberia perturbar a autonomia da consciência, ela própria encontrando-se através de todas as suas aventuras, retornando para casa como Ulisses, que, ao longo de todas as suas peregrinações, acaba por ir para a sua ilha natal” ( ). Talvez aqui caiba a restrição de Santo Tomás de Aquino às ditas provas da necessidade da existência de Deus: “a razão é a imperfeição da inteligência”.

Martin Heidegger inverteu a pergunta “Como a filosofia nos convence da existência de Deus?” para “Como entra o Deus na filosofia?” ( ). E sua resposta seria: “quando se identifica, pela primeira vez, de alguma maneira, algo originário, uma primeira causa, um primeiro ente, ou um supremo ente”. Nenhuma prova racional é capaz de alcançar Deus, que não é um “ser” a modo dos seres que conhecemos, nem do ser que somos, apesar de termos sido feitos “à semelhança d’Ele”. O conteúdo filosófico a que chegamos é o de algo originário, o Ser absolutamente necessário (princípio movente, causa primeira, supremo ente), mas a resposta a “quem é Deus?” é tema da religião ( ).

Dizer que Deus é Onipresente, Onipotente, Onisciente é atribuir-lhe as qualidades de estar em todo lugar, de poder e ter conhecimento de tudo, mas as perguntas continuam: Quem é esse que tem essas qualidades em grau absoluto? Como é Ele que consideramos bom e belo, perfeito e justo, sábio e poderoso em grau ilimitado?

O “deus” da nossa razão não é o Deus da nossa fé. Santo Tomás escreveu: “Só conhecemos verdadeiramente Deus quando acreditamos que Ele está muito acima de tudo o que possamos pensar a seu respeito” ( ). Na expressão de Santo Anselmo: “o ser do qual não é possível pensar nada maior”. E o teólogo norte-americano John Caputo, numa certa crítica à prova ontológica de Anselmo, mas como que o repetindo em outra afirmação daquele filósofo e teólogo de Cantuária, escreveu: “O que quer que se diga que Deus é, Deus é mais”. O pastor Henrique Vieira atualiza essa concepção ao dizer: “Deus sempre está um passo a mais e além do que eu consigo ir. Deus é mistério, Deus é silêncio. Se existe um conteúdo nesse silêncio, se eu posso dizer algo sobre esse mistério é que Deus é o amor encarnado. O endereço de Deus na terra é onde o amor se manifesta e se materializa. Portanto não é uma doutrina, não é um dogma” ( ).

Roger Garaudy, quando estudante de ensino médio, numa prova oral da disciplina Religião, expôs com brilhantismo as “provas” da existência de Deus, que estudara em Aristóteles e Tomás de Aquino. O professor, depois de lhe dar nota dez, perguntou como podia continuar sendo ateu se conseguia provar logicamente a existência de Deus. Garaudy respondeu: Deus não é assunto da razão, mas do coração; enquanto Ele não entrar no meu sentimento, não adianta estar no meu raciocínio ( ). A janela pela qual a fé é anunciada é a possibilidade de uma relação autêntica entre o homem e Deus, que permite a cada um de nós viver a nossa existência com dignidade. “Tal anúncio não se reduz a uma doutrina, antes, deve converter-se em vida, em tensão vital entre premissas e promessas, entre medos e confiança, entre resistência e arrebatamento, entre carne e espírito: em uma palavra, em cristianismo” ( ).

A teologia é a “ciência” (?!) ou a palavra sobre Deus, e, como tal, se propõe a dizer-nos quem é Deus e como chegar a Ele ( ). A teologia cristã tem sua fonte na Bíblia – sobretudo no Evangelho -, no Magistério da Igreja e na Tradição, as raízes “objetivas” das quais se devem extrair e explicitar as mesmas verdades. Mas também essa teologia se exerce no espaço limitado da história, da cultura, da linguagem. Ela está condicionada à precariedade do discurso, como estão as ciências, a literatura, as artes, a política. E, também, vinculada à subjetividade dos seus autores. Além de ter como “objeto” o inefável, o infinito, o indefinível. Portanto, a teologia tem que ter a humildade de escutar (Karl Rahner), de saber-se provisória, pois ela é a palavra sobre Deus: “que sempre será superior ao que conhecemos, sabemos e falamos dele, que continuamente se dá a conhecer e continuamente precisa ser descoberto e redescoberto” (Karl Barth). Cada vez que o discurso teológico procura falar de Deus, só o faz a partir duma série de paradoxos que permitem entrever o Mistério, diz Vitor Gomes, comentando o sentido e a aplicação da expressão “o paradoxo do desejo de Deus”, de Henri de Lubac ( ). Karl Jaspers escreve que “Ele (Deus) certamente não é conteúdo de conhecimento, mas presencialidade para a existência” ( ). Interpreto essa afirmação como sugestão para deslocar a busca de Deus do campo da razão para o da experiência. Não é esta a indicação de Jo 20,26: “Coloca o dedo nas feridas das minhas mãos e a tua mão no meu lado. Não sejas incrédulo. Acredita”? Tocando nas feridas – de Cristo e daqueles que sofrem perto de mim – digo, com Tomé: Meu Senhor e meu Deus!

No âmbito psicológico, também encontramos motivos para olhar para o Alto. Pressentimos a existência de um Ser Superior. Nossa vida é pontuada de esperanças, mas no mais fundo da nossa alma há uma esperança maior – a Grande Esperança: quem a preencherá? O sofrimento e a morte são inegáveis, mas eles tornariam a vida um absurdo se depois deles não houvesse vida sem males e paz estável e permanente. O nosso coração anseia por algo maior do que tudo o que vemos e do que temos ao alcance das mãos e da imaginação. A solidão, que é a dor de uma ausência, grita por um encontro. Vale, sempre, reler Santo Agostinho: “Fizeste-nos para Ti e inquieto está nosso coração enquanto não repousa em Ti” ( ).

O sentimento sobre a divindade não é produto da cultura, tampouco um legado da tradição. Desde o começo do que se pode chamar humanidade ele está presente como algo intrínseco e originário, e foi se consolidando ao longo dos milênios da existência humana na superfície da Terra ( ). Se, de uma parte, podemos dizer, genericamente, que o sentimento da divindade já não está no coração do “homem moderno”, de outra, constatamos que ele continua presente na humanidade. E não apenas nos pobres e excluídos, nos simples e de pouca instrução, em pessoas idosas, que guardam a fé de uma infância religiosa ou são instados a querer ser recebidos por Deus no último de seus dias. Ele está presente nos jovens e em pessoas de todas as idades, em filósofos e cientistas, pesquisadores e escritores, em poetas e artistas, nos místicos, em pessoas que exercem cargos públicos e ocupam posições sociais de destaque. O agnosticismo, o niilismo, o indiferentismo e o humanismo ateu, disseminando-se por toda parte, não demoveram bilhões de pessoas da crença no Ser Absoluto, de sua fé num Deus que cuida e da esperança de serem acolhidas por Ele após a morte. Tampouco foi capaz disso a ciência, à qual o positivismo confiou a tarefa de produzir conhecimento e técnicas capazes de suprir a todas as necessidades humanas, de responder às perguntas sobre o homem e o universo, a debelar as doenças, a prolongar indefinidamente a vida, a instaurar a paz na terra, a restituir a serenidade do espírito. O que Nietzsche pregou – a morte de Deus para criar o homem livre -, e o que Comte acreditou – a religião do homem – foram anúncios altiloquentes em sua época que hoje soam distantes e impotentes para satisfazer o desejo de Deus, que o homem carrega, não como um fardo, mas como asas para voar ao infinito, mesmo que seja apenas ao infinito de si mesmo. Talvez esse sentimento sobre Deus se traduza, para os ateus, os agnósticos, os indiferentes, os adeptos do humanismo sem Deus no desejo de encontrar em sua vida e neste mundo a transcendência do aqui-e-agora, este presente que é insatisfatório e sempre carente do mais e do depois. O filósofo alemão Max Scheler, cujo principal objetivo era regatar o valor da pessoa humana, uma vez que para ele esse valor é a fonte para a compreensão dos valores supremos, escreveu: “O homem é o portador de uma tendência que transcende todos os valores e cuja direção vai ao divino. Ele é o “buscador de Deus” ( ).

Bilhões de pessoas, em toda a Terra, acreditam que existe um Deus Único (os fiéis das religiões monoteístas – judaísmo, cristianismo e islamismo), ou reverenciam muitas divindades (seguidores do hinduísmo, xintoísmo, yoruba etc.) ( ). Há, também, sistemas filosóficos e morais que não veneram divindades, mas pregam valores humanos de elevação espiritual. Há igualmente, um grande número que nega formalmente a existência de Deus ( ). E há os indiferentes, para quem a palavra Deus não diz nada, que vivem como se Ele não lhes dissesse respeito. Observa-se, no entanto, que muitas pessoas, sejam elas ateias, incrédulas, agnósticas ou indiferentes, quando sufocadas na angústia e na solidão, trituradas pelo sofrimento e afogadas no medo da morte, apelam para Deus e pedem a proteção divina.

Mas admitir a existência de Deus ou suplicar compaixão é só um primeiro passo na sua direção. Deus não é refúgio, é encontro. Não é socorro, é abraço. Não é tábua de salvação, é lar que acolhe. João, discípulo amado de Jesus, não encontrou outra definição de Deus senão esta: “Deus é Amor” (1 Jo 4,8). Roger Garaudy diz que a poesia e o amor são as formas mais imediatamente apreensíveis da transcendência do ser. E cita seu amigo, poeta e político, Aragon: “A única prova da existência de Deus é o amor” ( ).

Sentimentos de fragilidade, dependência, incompletude e necessidade de proteção podem nos mover na direção de Deus. Acontece, porém, que tais sentimentos nos dizem mais sobre nós mesmos do que sobre aquele a quem apelamos. Por isso, Deus tomou a iniciativa de vir ao nosso encontro. As Escrituras Sagradas chamam essa iniciativa de Revelação. E a revelação mais estonteante, mais radiosa é o seu Filho que “se fez homem e habitou entre nós”. As Escrituras dizem que Ele é amor e que esse amor chegou ao “exagero” (em termos humanos) de dar a vida por nós pregado numa Cruz. Só o amor encurta caminhos, levanta véus, mostra o verdadeiro rosto. Só o amor abraça. Aragon tem razão.

A divindade, presente em todos os seres criados, se torna mais perceptível – e por isso, mais “próxima” ou “tangível” – nas pessoas que tomam consciência de sua presença. Muitas pessoas são vitrinas de Deus. Elas têm brilho nos olhos, força nas palavras, uma aura circundando seus corpos; elas vivem uma mística. Algo nos diz que elas carregam um mistério, uma presença que acalma, encanta, atrai. É bom encontrar essas pessoas. É bom passear por essas vitrinas. Porque, no fundo, queremos “ver” Deus. O que sentimos quando estamos com elas é, quem sabe, uma pequena amostra do que poderemos, também nós, experimentar quando chegarmos um pouquinho mais perto d’Ele.

Acontece que não nos satisfaz estar perto. Queremos, no mais fundo de nossa alma, estar com, se possível ser envolvidos por um abraço. Posso tocar em suas obras, sentir o calor de suas mãos nas coisas que nascem, maravilhar-me com os “milagres” que Ele opera na vida das pessoas, mas só a experiência de um encontro com a pessoa d’Ele realiza o anelo mais profundo e satisfaz a necessidade mais radical do ser humano. E isso depende, fundamentalmente, da iniciativa de Deus. Mas podemos ficar tranquilos: a história das pessoas que aderiram à fé é uma narrativa da iniciativa de Deus em ir ao seu encalço. Ele sai à nossa procura. Ele nos atrai para si. Como, porém, sentir o seu abraço? Como saber se é Ele quem nos toca?

Esse escrito do Pe. Teilhard de Chardin nos dá uma pista: “A percepção da onipotência divina é essencialmente uma visão, um gosto, isto é uma espécie de intuição. Não se pode obter diretamente por nenhum raciocínio, nem por nenhum artifício humano. Como a vida, essa percepção é um dom. Experimentar a atração de Deus, ser sensível aos encantos, à consistência e à unidade final do ser, é a mais alta e, ao mesmo tempo, a mais completa de nossas “passividades de crescimento”. Deus tende, pela lógica do seu esforço criador, a fazer-se buscar e apreender por nós” ( ).

Os textos que seguem pontuam um caminho ramificado na procura de Deus. Não são relatos; são orações. Ensaios de conversas com Ele. Experiências com sabor de encontro. Intuições desejosas de haver vislumbrado traços de sua face. Com a pobreza de nossas palavras, mal conseguimos expressar o que sentimos e pensamos. Mas é com elas que tentamos dizer ao nosso Deus que o amamos. Que o procuramos no deserto. Que nos alegramos com sua presença. Que somos pequenininhos diante do seu Infinito. Que somos gratos por sua bondade. Que chamá-lo de Pai/Mãe é a suprema ventura, a confiança mais serena, a paz mais profunda. Chamá-lo de Pai/Mãe ou de outro nome, o que importa é o que tão bem rezou o teólogo Angelus de Silesius: “Como viver sem Ti, ó Senhor? Pouco importa teu nome: Clemência, Pai, Ternura ou Amor. És nossa luz, alegria, esperança, refúgio e paz!”

Vou meditando e rezando durante o dia, em qualquer lugar, pois cada momento pode ser uma janela que Ele abre para divisar o seu rosto. Sei que é Ele que me suscita a rezar e dita as palavras que germinam temerosas no meu coração. Pois Ele quer ajudar-me a encontrá-lo. E se Ele já não estivesse aqui, eu não teria sequer uma nesga de luz para dar o primeiro passo. Concordo com Pascal: “Tu não me procurarias se já não me tivesses encontrado” ( ). E, em Pascal, leio São Bernardo de Claraval: “Só pode te procurar quem já te encontrou… Sim, podemos te procurar e te encontrar; mas não podemos chegar antes de ti”.

Minhas palavras são trôpegas, e fraca minha voz. Elas definhariam ao redor de mim, sem força para alcançar sua Altíssima Grandeza, se Ele não enviasse seu anjo para colhê-las e apresentá-las diante d’Ele. Em última análise, Ele me quer bem, me estende a sua mão e me convida. O que mais posso dizer senão “eis-me aqui”, morrendo de alegria e gratidão?

*Vital Didonet é Professor. Membro do Conselho Consultivo da Fundação ABRINQ. Li¬cenciado em filosofia e em pedagogia; mestrado em educação; especialista em educação infantil. Foi coordenador de educação pré-escolar no Ministério da Educação, Consultor Legislativo na Câmara dos Deputados. Foi presidente da OMEP Brasil, vice-presidente da OMEP para a América Latina e vice-presidente mundial. Consultor de vários organismos internacionais como o UNICEF, a UNESCO, a OEA e nacionais na área da educação infantil e dos direitos da criança. Atualmente é assessor especial da presi¬dência da OMEP Brasil e membro da Associação Brasileira de Estudos sobre o Bebê – ABEBÊ.

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