Por Jessica Thais Hemsing e Claudia Herte De Moraes: “O agro não enche o prato”, a denúncia que a COP ignora

De um lado, o discurso verde e rentável do agro

Por Jessica Thais Hemsing e Claudia Herte De Moraes: “O agro não enche o prato”, a denúncia que a COP ignora
Por Jessica Thais Hemsing e Claudia Herte De Moraes: “O agro não enche o prato”, a denúncia que a COP ignora

Por Jessica Thais Hemsing E Claudia Herte De Moraes - Observatório Da Imprensa/ Edição 1364 - 15/11/2025 16:21:58 | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A COP-30 começou oficialmente nesta segunda-feira, dia 10, com a promessa de colocar a transformação da agricultura e dos sistemas alimentares no centro das discussões sobre o combate à crise climática. Embora o tema esteja em alta nos painéis oficiais e na comunicação do evento, o debate permanece superficial. Ainda falta coragem para enfrentar o verdadeiro nó da questão: as estruturas de poder e a desigualdade que sustentam o modelo agroexportador brasileiro.

Falar em soberania alimentar sem tocar na concentração de terras e nos bilhões de reais em subsídios ao agronegócio é esvaziar o sentido da expressão. Não existe soberania alimentar quando quem decide o que e como se planta são grandes corporações mais interessadas em lucro do que em comida de verdade.

O que não pode acontecer é que, em uma conferência do clima que se propõe a discutir o combate à fome e à crise ambiental, o destaque vá para projetos do agronegócio como o Ferrogrão. A ferrovia, apresentada como símbolo de progresso, serve, na prática, para facilitar o escoamento de commodities do Centro-Oeste e do Norte, beneficiando exportadores e não quem precisa de alimento no prato. Muito se fala em redução de custos de frete e de preços dos alimentos, mas essa conta raramente chega à mesa do povo.

O jornal Brasil de Fato está presente em Belém e, por seu caráter contra-hegemônico, tem se destacado pela escuta de vozes diversas. Na tarde desta segunda-feira, 10, participou de um debate no qual Adriano Ferreira, representante do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo (MTC), afirmou: “A gente precisa gritar ao mundo que só existe justiça climática se houver proteção dos territórios tradicionais, dos povos indígenas e também dos camponeses que estão na terra produzindo o alimento que nutre o povo brasileiro.” A fala de Adriano representa muitos trabalhadores que lutam por uma justiça climática que inclua quem produz o alimento.

O portal de jornalismo independente ICL Notícias demonstra atenção aos movimentos sociais presentes em Belém, noticiando os protestos recentes durante a COP-30. Com destaque às frases na faixa, “O agro não enche o prato”, “Ferrogrão Não”, “Comida sem veneno” e “O agro passa, a destruição fica” mostram que a sociedade civil está atenta. As mobilizações denunciam que os grandes empreendimentos do agronegócio (como o projeto Ferrogrão) trazidos como “salvadores” da economia não alimentam o país. “Não queremos que nossos biomas sejam vistos só como mercado, como corredor de soja, porto ou ferrovia”, retrata a liderança Tupinambá Marília Sena ao ICL.

Enquanto isso, o governo brasileiro segue abrindo mão de recursos públicos. Em 2024, foram cerca de R$ 158 bilhões em isenções fiscais ao agronegócio, segundo o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O portal Sumaúma ressalta essa crítica ao destacar que, ao patrocinar grandes produtores e exportadores, o país prioriza o modelo agroexportador, deixando em segundo plano quem luta pela agroecologia e pela proteção ambiental.

Mesmo diante de dados científicos evidentes sobre a necessidade de produção de alimentos de forma mais sustentável, a maior parte dos veículos de comunicação ignora a pauta da soberania alimentar. Ainda mais quando há manifestações contrárias aos interesses do agronegócio. Pensando na essência do jornalismo, que deveria pautar-se pelo compromisso público, percebemos que, em geral, os veículos hegemônicos descartam uma compreensão ampliada de sua responsabilidade social. Por exemplo, no caso do Ferrogrão citado acima, nenhum veículo tradicional destacou o tema no contexto da COP-30.

De um lado, o discurso verde e rentável do agro. Do outro, a luta popular por comida sem veneno e por um modelo agrícola justo e sustentável. Para além do nosso presente já impactado pela mudança climática, que planeta estamos deixando às futuras gerações?

Publicado originalmente em Observatório de Jornalismo Ambiental.

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Jéssica Thaís Hemsing é graduanda em Jornalismo na UFSM e bolsista do PET Educom Clima. E-mail: jessica.thais@acad.ufsm.br

Cláudia Herte de Moraes é Jornalista e Doutora em Comunicação e Informação, professora na UFSM. Tutora do PET Educom Clima (UFSM) e líder do Grupo Educom Clima (CNPq/UFSM). Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental e do Laboratório de Comunicação Climática. (CNPq/UFRGS). E-mail: claudia.moraes@ufsm.br

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