Por João Zisman: Acordos políticos podem mudar como nuvens e trazer tempestades

Os pactos duram enquanto servem a todos

Por João Zisman: Acordos políticos podem mudar como nuvens e trazer tempestades
Por João Zisman: Acordos políticos podem mudar como nuvens e trazer tempestades

Por João Zisman - 14/11/2025 11:17:05 | Foto: João Zisman - Editoria de Artes/IA

A política é um sistema movido por instabilidade permanente. A cada ciclo, planos são elaborados, alianças são formadas e acordos são celebrados como se fossem estruturas duradouras. Mas a prática demonstra que esses arranjos raramente atravessam longos períodos sem sofrer alterações. A explicação mais clara para isso foi dada por Tancredo Neves, em uma frase que se tornou quase um axioma da vida pública. Ele dizia que a política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha novamente e ela já mudou. Tancredo não falava apenas de imprevisibilidade. Ele descrevia a essência do comportamento político: a mudança é inevitável porque a política nunca opera em estado de repouso.

A metáfora das nuvens é precisa porque comunica duas qualidades fundamentais do processo político: fluidez e transformação. A nuvem não deixa de existir quando muda de forma. Continua sendo nuvem, apenas reorganizada. O mesmo vale para os acordos. Eles não desaparecem por completo. Eles se adaptam, se desdobram, se desfazem ou se recompõem conforme os interesses se movem. O erro não está em acreditar que acordos existam, mas em supor que possam permanecer estáticos enquanto o ambiente muda ao redor.

Um dos fatores que mais alteram esses desenhos é a aritmética do poder. Em muitos momentos, o número de projetos pessoais é maior do que o número de posições disponíveis. Essa desproporção gera reacomodações inevitáveis. Quando três ou quatro atores desejam ocupar dois espaços, o acordo inicial não encontra sustentação. Ele precisa ser revisado. As ambições que antes estavam alinhadas passam a competir entre si.

Mas não é só o excesso de candidatos que tensiona os arranjos. Há algo ainda mais determinante: o retorno de antigos atores políticos. Velhas lideranças, figuras que pareciam fora do jogo e personagens que, até pouco tempo atrás, não integravam a cena eleitoral podem ressurgir em um instante e alterar completamente o mapa das alianças. A política tem o hábito de resgatar nomes que pareciam superados, trazendo-os de volta ao centro da disputa por força de circunstâncias, oportunidades ou até de conveniências momentâneas. Esse fenômeno desestabiliza acordos que, até então, pareciam sólidos.

A entrada de um ator inesperado funciona como uma mudança brusca no vento. Um acordo firmado com precisão milimétrica pode se tornar inviável diante de um só movimento externo. É assim que cenários dados como certos são subitamente reescritos. O que parecia definitivo passa a ser apenas uma fotografia de curto prazo. Uma candidatura tardia, uma reviravolta jurídica, uma reorganização partidária ou até a simples intenção de retorno de um nome tradicional pode obrigar os demais participantes a recalcular tudo.

A estabilidade, portanto, é apenas uma percepção temporária. Não há acordo imune à chegada de novos competidores ou ao retorno de antigos protagonistas. E não há estrutura política capaz de impedir que o desenho se altere quando o ambiente pressiona por mudança.

A análise madura da política exige compreender que nenhum arranjo é final. Os acordos valem até que novos fatores surjam. Os pactos duram enquanto servem a todos. Os cenários permanecem apenas enquanto ninguém decide redesenhá-los.

Tancredo tinha razão. A nuvem não trai. Ela apenas muda. E é exatamente essa mudança que define o ritmo da política.

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