Por Maria das Gracas Targino: É tempo do alvoroço das fake news 

Isto é informação.

Por Maria das Gracas Targino: É tempo do alvoroço das fake news 
Por Maria das Gracas Targino: É tempo do alvoroço das fake news 

Por  maria Das Gracas Targino - Observatório Da Imprensa edição 1308 - 07/10/2024 07:21:11 | Foto: © WILSON DIAS/AGÊNCIA BRASIL

Fake news é uma expressão que faz parte dos dias de hoje. É difícil, mas não impossível, encontrar cidadãos perdidos em território nacional que não saibam o significado da expressão. Costumo brincar afirmando que elas são mais velhas do que o homem mais velho que você encontrar no bar da esquina, porque, de fato, quando falamos em fake news estamos nos referindo a notícias falsas e isso sempre aconteceu tantas nos pequeninos lugarejos graças às comadres fofoqueiras quanto nas grandes cidades, graças a quem adora “bancar o terror” ou o horror, a maledicência, a difamação ou o maldizer.

Como vivemos na era da informação, em que, mais do que nunca, as notícias circulantes ganham peso em nosso cotidiano, as fake news , no alto de seu andor, também reverberam, resplandecem e causam repercussão. Em época de eleição, são inevitáveis. É um disse-me-disse sem fim. É como se voltássemos aos tempos das cavernas e não avaliássemos como é perigosa a desinformação. Em termos individuais, é indiscutível a importância crescente da informação como fator de integração, sociabilização, democratização, igualdade, cidadania, libertação, engrandecimento e dignidade pessoal. Não há exercício da cidadania sem informação: o cumprimento de deveres e a reivindicação de direitos civis, políticos e sociais pressupõem seu conhecimento e reconhecimento. E isto é informação.

No campo social e político, é flagrante o papel da informação como elemento essencial para o progresso econômico e social dos povos. Impõe-se como força de transformação do homem, aliando-se à mídia em suas diferentes modalidades, incluindo aí as ferramentas tecnológicas e as chamadas redes de informação que circulam no meio virtual. Ao tempo em que aceleram a transferência de informações, possibilitam tanto a desinformação, pela dificuldade de checagem dos dados em circulação, quanto a infoxicação, termo criado pelo físico espanhol Alfons Cornellá, em 1996, para nomear o excesso de conteúdos que recebemos, a cada hora, a cada dia, e, portanto, que não conseguimos absorver, causando dispersão, estresse e a célebre ansiedade de informação. Podemos, ainda, usar, aqui, a expressão infodemia alusiva ao excesso de informações, que dificulta a identidade de fontes idôneas e orientações confiáveis, como ocorreu quando da expansão no caso da corona virus disease (Covid-19).

Portanto, a difusão de informações deve estar inserida no processo desenvolvimentista das nações, configurando e fortalecendo a relação informação versus avanço social, a partir da concepção de que as conquistas sociais se vinculam à democracia. Esta não pode e não deve ser visualizada como um sistema meramente político, mas como forma de vida social, quando se estimula o exercício permanente da cidadania, mediante a participação dos cidadãos nas decisões do Estado. Tal participação decorre da qualidade das informações que se produz, se acessa, se repassa e dos benefícios então advindos. A informação, além do aspecto democratizante, exerce papel educativo que concorre para mudanças de significação social e cultural.

O horário eleitoral ora em vigor no Brasil ou o debate ocorrido na noite da terça-feira (10/09), na Filadélfia, entre os candidatos à Presidência dos Estados Unidos, Kamala Harris (Partido Democrata) e Donald Trump (Partido Republicano), em que os analistas se detiveram ou se divertiram em assinalar o número de “mentiras” proferidas pelos dois candidatos (Trump “ganhou”), ou a salada de itens fétidos que cercaram a “última reeleição” de Nicolás Maduro na vizinha Venezuela são exemplos clássicos de como a desinformação, a infoxicação ou a infodemia são nocivas às populações.

Sob esta perspectiva, precisamos atentar para o fato de que nossos canais de percepção estão entrando em pane. Nossa percepção de mundo é inevitavelmente distorcida por ser seletiva: não podemos perceber tudo; não podemos ler nas entrelinhas. Quanto mais imagens e mais informações em circulação tivermos de defrontar, tanto mais distorcida será nossa visão. Isto é, o volume atual de informações repassadas pelos meios de comunicação em quantidades inacreditáveis agrava a chance de distorção na percepção e o que é mais grave, relega os porquês dos fatos a um plano inferior, o que termina por reduzir a história a fragmentos desconexos e superficiais. Muitos recebem informações através do rádio e da tevê. Muitos – a maioria – permanecem à margem do debate público, sem entender a essência dos fatos.

Afirmamos, pois, que o acesso ao circuito informativo não garante a participação nas decisões públicas, em particular, no Brasil, onde, indiferente ao avanço tecnológico, o estágio socioeconômico predominante da população corresponde à saída da oralidade para a audiovisualidade, sem sequer o domínio da leitura, na acepção de atribuição de sentido a um texto em relação dialógica autor x leitor. Não nos referimos ao analfabetismo absoluto, em que o cidadão não domina o código alfabético, mas, sim, ao analfabetismo funcional, quando não se tem o padrão mínimo de conhecimento para operar na sociedade construída sobre a escrita.

Logo, tempo de eleições é tempo de cuidado com o que discutimos, propagamos e assimilamos como verdade absoluta. Isto corresponde a afirmar – cuidado com o alvoroço das fake news – , assimilando uma verdade simples e simplória, expressa pelo ex-primeiro-ministro britânico James Callaghan, num dia que se faz longínquo: “uma mentira pode dar a volta ao mundo antes que a verdade tenha a chance de calçar as botas”.


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Maria das Graças Targino é Doutora em Ciência da Informação e jornalista, finalizou seu pós-doutorado junto ao Instituto Interuniversitario de Iberoamérica da Universidad de Salamanca e Máster Internacional en Comunicación y Educación da Universidad Autónoma de Barcelona. Sua experiência acadêmica inclui cursos em outros países, como Inglaterra, Cuba, México, França e Estados Unidos, além de vinculação com a UFPI e UFPB por longos anos.

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