Hipocrisia humana antecipa 2026 com um Natal de barriga vazia

Há algo de profundamente hipócrita nesse ritual anual

Hipocrisia humana antecipa 2026 com um Natal de barriga vazia
Hipocrisia humana antecipa 2026 com um Natal de barriga vazia

Por José Seabra - 25/12/2025 18:14:04 | Foto: José Seabra - Editoria de Artes/IA

O Natal costuma ser vendido como o ápice da fraternidade humana. Luzes piscam, vitrines brilham, palavras como “amor”, “solidariedade” e “renascimento” são repetidas à exaustão. Mas basta afastar o embrulho colorido para que a realidade se imponha com crueza. Porque enquanto alguns se empanturram de excessos, outros seguem com a barriga vazia, invisíveis até mesmo no dia em que Cristo nasceu pobre.

Há algo de profundamente hipócrita nesse ritual anual. Mesas fartas se multiplicam entre os pobres de espírito — aqueles que confundem consumo com generosidade, ostentação com fé. Já os pobres de renda, de carne e osso, seguem do lado de fora da festa, assistindo pela televisão a um Natal que nunca chega às suas casas. A ceia, para eles, continua sendo promessa. E promessa vazia.

Gilberto Gil traduziu essa encenação moral com precisão cirúrgica em Procissão . “Muita gente se arvora a ser Deus”, canta ele, denunciando os salvadores de ocasião que surgem com discursos inflamados e mãos vazias. Prometem vestidos para Maria, roçados para João, futuro para o sertão. Prometem tudo, menos compromisso. Entra ano, sai ano, e nada vem. E o sertão, literal ou metafórico, permanece ao Deus-dará.

O Natal repete esse mesmo teatro. Multiplicam-se campanhas publicitárias sobre empatia, enquanto políticas públicas de combate à fome são desmontadas ou tratadas como favor. Fala-se em caridade, mas evita-se a justiça. Distribui-se sobra, mas nega-se dignidade. O problema não é a ceia farta em si, mas o silêncio confortável diante da desigualdade que a cerca.

Há quem reze diante do presépio sem perceber que o menino representado ali nasceu sem teto, sem conforto e sem privilégios. Se Jesus existe “no firmamento”, como provoca Gil, então “cá na terra isto tem que se acabar”. Não a festa, mas a indiferença. Não a celebração, mas a naturalização da fome como destino.

O Natal revela, com brutal honestidade, quem somos como sociedade. Ele expõe o abismo entre discurso e prática, entre fé e ação, entre o pão repartido e o pão negado. Enquanto houver mesas que transbordam por vaidade e lares vazios por abandono, o espírito natalino seguirá sendo apenas um slogan bonito, lucrativo e profundamente falso.

Talvez o verdadeiro milagre de Natal não seja multiplicar pães, mas dividir responsabilidades. Menos promessas para o próximo ano, menos encenações de bondade. Mais compromisso agora. Porque fome não espera o próximo Natal. E a hipocrisia, essa sim, se repete pontualmente todos os anos.

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José Seabra é CEO fundador de Notibras

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